Cidade italiana se rebela contra a imigração chinesa
Guy Dinmore, Financial Times
Quando a polícia, bombeiros e diferentes fiscais italianos bateram às portas da fábrica, desfechando a mais recente batida contra fábricas que exploram mão de obra chinesa em Prato, a maioria dos atordoados trabalhadores que ali viviam em cubículos úmidos e sem janelas ainda estava de pijama.
Em poucas horas, mais quatro fábricas de roupas na rua Lazzeretto tinham sido lacradas, e fileiras de máquinas de costura confiscadas. Dois imigrantes chineses ilegais foram arrastados para fora e os demais trabalhadores receberam ordens para sair.
Após anos em que toleraram e também se beneficiaram das ondas de imigrantes chineses que formaram a maior concentração de indústrias chinesas na Europa, o povo dessa antiquíssima cidade toscana decidiu dar um basta.
"A gota derradeira fez o vaso transbordar. A cidade não pode continuar assim", disse Riccardo Marini, presidente da associação empresarial de Prato. "Os chineses podem respeitar as leis na França e no Reino Unido, mas aqui não o fazem, pois isso lhes foi permitido pelo sistema político e empresarial. A coisa escapou de controle."
Tendo votado na esquerda durante 63 anos, Prato pendeu para a Liga Norte, partido de direita e xenófobo, nas últimas eleições municipais, em junho passado.
Roberto Cenni, o novo prefeito e também empresário têxtil e de artigos de vestuário, denuncia as condições "semiescravas" a que se submetem trabalhadores chineses, que recebem baixíssimos salários. Apoiada por Roberto Maroni, o ministro do Interior linha-dura pertencente à Liga Norte, a polícia lançou no mês passado uma ofensiva repressiva contra fábricas ilegais. Helicópteros sobrevoavam a área, para enfatizar a mensagem.
Com sua comunidade em estado de choque, jornais relataram que o cônsul-geral da China em Florença, cidade relativamente próxima, comparou as incursões com as ações da SS nazista.
Orgulhoso da sua história secular de produtos têxteis, mas com sua indústria em declínio, Prato se vê como uma vítima de desregulamentação da abertura das fronteiras e da globalização.
Marini lembra do primeiro grupo de 38 chineses que chegou em 1989 para trabalhar em fábricas têxteis. Agora eles são estimados em até 40 mil, muitos deles ilegais. Um terço dos 180 mil habitantes da cidade é estrangeiro, contra uma média nacional de 6%.
À medida que a indústria têxtil de Prato perdeu um grande número de empregos - incapaz de competir com tecidos mais baratos feitos na China - a comunidade chinesa em Prato usou suas habilidades adquiridas para cavar um nicho independente, produzindo "moda pronto" ou moda rápida.
Enquanto há alguns anos muitos chineses entravam na Itália ilegalmente, agora eles simplesmente chegam ao aeroporto de Frankfurt com vistos de turista para três meses, mas não vão embora. A maioria dos chineses em Prato vem de apenas uma cidade chinesa - a costeira Wenzhou, na província de Zhejiang -, um enclave com uma história de empreendedores dispostos a cruzar o mar.
Fora dos muros da cidade de Prato, a Rua Pistoiese tornou-se uma Chinatown Wenzhou, com restaurantes, casas noturnas (que proíbem o ingresso de não chineses) e supermercados abastecido com produtos da China.
Silvia Pieraccini, uma jornalista local e autora de "O Cerco Chinês", diz que a chave para o sucesso chinês é dupla. Velocidade é o primeiro fator. Uma fábrica na China precisa de dois meses para reproduzir a última moda de Milão e levar produtos mais baratos ao mercado europeu. Em Prato, a mesma coisa leva duas semanas e vem com o rótulo "Made in Italy".
Em segundo lugar, os chineses dominaram toda a cadeia produtiva. Eles importam tecidos chineses baratos, fazem seu tingimento e os estampam. Botões, zíperes e adereços são feitos localmente. Produtos acabados são vendidos a compradores de toda a Europa que visitam pontos de venda atacadistas.
Os preços de camisetas de algodão partem de € 1,70 euro (US$ 2,30). Em plena produção, as estimadas 3.500 fábricas chinesas em Prato podem produzir 1 milhão de artigos por dia. Os chineses se apoiam na experiência criativa italiana em design, marketing e contabilidade.
Mas a combinação de recessão e repressão está virando a maré contra as fábricas chinesas ilegais, que não pagam impostos, contribuições sindicais e taxas municipais. Mas o que vai acontecer em seguida não está claro.
O prefeito - cuja cadeia Sasch de lojas de artigos de vestuário produz e vende na China - quer que os fabricantes chineses em Prato usem os próprios tecidos de elevada qualidade da cidade, em vez de tecido importado, e até mesmo vendam para a China.
Não se sabe se os patrões chineses passarão a operar legalmente, ficando, assim, menos competitivos, ou migrarão sua produção para outros lugares.
Uma grande frustração para a polícia é que a repressão não pode deportar imigrantes ilegais que não têm documentos - porque a China se recusa a aceitá-los de volta. Apenas dois foram deportados no ano passado. "Estamos lidando com uma China sem fronteiras", diz Marini.
Na China, a repressão foi praticamente ignorada. A mídia estatal foi orientada a não investigar os eventos em Prato. Sun Yuxi, embaixador da China em Roma, salienta "a contribuição chinesa para a riqueza de Prato", insistindo que somente uma pequena minoria dos trabalhadores são imigrantes ilegais.
Sentada e desamparada, de pijama quando a polícia invadiu a fábrica exploradora de mão de obra, Lola, uma operária de 23 anos, disse que a recessão está tão forte que quase não havia trabalho desde outubro. Ela gostaria de voltar para casa, mas não pode fazê-lo de mãos vazias.
Fonte:valoronline
Guy Dinmore, Financial Times
Quando a polícia, bombeiros e diferentes fiscais italianos bateram às portas da fábrica, desfechando a mais recente batida contra fábricas que exploram mão de obra chinesa em Prato, a maioria dos atordoados trabalhadores que ali viviam em cubículos úmidos e sem janelas ainda estava de pijama.
Em poucas horas, mais quatro fábricas de roupas na rua Lazzeretto tinham sido lacradas, e fileiras de máquinas de costura confiscadas. Dois imigrantes chineses ilegais foram arrastados para fora e os demais trabalhadores receberam ordens para sair.
Após anos em que toleraram e também se beneficiaram das ondas de imigrantes chineses que formaram a maior concentração de indústrias chinesas na Europa, o povo dessa antiquíssima cidade toscana decidiu dar um basta.
"A gota derradeira fez o vaso transbordar. A cidade não pode continuar assim", disse Riccardo Marini, presidente da associação empresarial de Prato. "Os chineses podem respeitar as leis na França e no Reino Unido, mas aqui não o fazem, pois isso lhes foi permitido pelo sistema político e empresarial. A coisa escapou de controle."
Tendo votado na esquerda durante 63 anos, Prato pendeu para a Liga Norte, partido de direita e xenófobo, nas últimas eleições municipais, em junho passado.
Roberto Cenni, o novo prefeito e também empresário têxtil e de artigos de vestuário, denuncia as condições "semiescravas" a que se submetem trabalhadores chineses, que recebem baixíssimos salários. Apoiada por Roberto Maroni, o ministro do Interior linha-dura pertencente à Liga Norte, a polícia lançou no mês passado uma ofensiva repressiva contra fábricas ilegais. Helicópteros sobrevoavam a área, para enfatizar a mensagem.
Com sua comunidade em estado de choque, jornais relataram que o cônsul-geral da China em Florença, cidade relativamente próxima, comparou as incursões com as ações da SS nazista.
Orgulhoso da sua história secular de produtos têxteis, mas com sua indústria em declínio, Prato se vê como uma vítima de desregulamentação da abertura das fronteiras e da globalização.
Marini lembra do primeiro grupo de 38 chineses que chegou em 1989 para trabalhar em fábricas têxteis. Agora eles são estimados em até 40 mil, muitos deles ilegais. Um terço dos 180 mil habitantes da cidade é estrangeiro, contra uma média nacional de 6%.
À medida que a indústria têxtil de Prato perdeu um grande número de empregos - incapaz de competir com tecidos mais baratos feitos na China - a comunidade chinesa em Prato usou suas habilidades adquiridas para cavar um nicho independente, produzindo "moda pronto" ou moda rápida.
Enquanto há alguns anos muitos chineses entravam na Itália ilegalmente, agora eles simplesmente chegam ao aeroporto de Frankfurt com vistos de turista para três meses, mas não vão embora. A maioria dos chineses em Prato vem de apenas uma cidade chinesa - a costeira Wenzhou, na província de Zhejiang -, um enclave com uma história de empreendedores dispostos a cruzar o mar.
Fora dos muros da cidade de Prato, a Rua Pistoiese tornou-se uma Chinatown Wenzhou, com restaurantes, casas noturnas (que proíbem o ingresso de não chineses) e supermercados abastecido com produtos da China.
Silvia Pieraccini, uma jornalista local e autora de "O Cerco Chinês", diz que a chave para o sucesso chinês é dupla. Velocidade é o primeiro fator. Uma fábrica na China precisa de dois meses para reproduzir a última moda de Milão e levar produtos mais baratos ao mercado europeu. Em Prato, a mesma coisa leva duas semanas e vem com o rótulo "Made in Italy".
Em segundo lugar, os chineses dominaram toda a cadeia produtiva. Eles importam tecidos chineses baratos, fazem seu tingimento e os estampam. Botões, zíperes e adereços são feitos localmente. Produtos acabados são vendidos a compradores de toda a Europa que visitam pontos de venda atacadistas.
Os preços de camisetas de algodão partem de € 1,70 euro (US$ 2,30). Em plena produção, as estimadas 3.500 fábricas chinesas em Prato podem produzir 1 milhão de artigos por dia. Os chineses se apoiam na experiência criativa italiana em design, marketing e contabilidade.
Mas a combinação de recessão e repressão está virando a maré contra as fábricas chinesas ilegais, que não pagam impostos, contribuições sindicais e taxas municipais. Mas o que vai acontecer em seguida não está claro.
O prefeito - cuja cadeia Sasch de lojas de artigos de vestuário produz e vende na China - quer que os fabricantes chineses em Prato usem os próprios tecidos de elevada qualidade da cidade, em vez de tecido importado, e até mesmo vendam para a China.
Não se sabe se os patrões chineses passarão a operar legalmente, ficando, assim, menos competitivos, ou migrarão sua produção para outros lugares.
Uma grande frustração para a polícia é que a repressão não pode deportar imigrantes ilegais que não têm documentos - porque a China se recusa a aceitá-los de volta. Apenas dois foram deportados no ano passado. "Estamos lidando com uma China sem fronteiras", diz Marini.
Na China, a repressão foi praticamente ignorada. A mídia estatal foi orientada a não investigar os eventos em Prato. Sun Yuxi, embaixador da China em Roma, salienta "a contribuição chinesa para a riqueza de Prato", insistindo que somente uma pequena minoria dos trabalhadores são imigrantes ilegais.
Sentada e desamparada, de pijama quando a polícia invadiu a fábrica exploradora de mão de obra, Lola, uma operária de 23 anos, disse que a recessão está tão forte que quase não havia trabalho desde outubro. Ela gostaria de voltar para casa, mas não pode fazê-lo de mãos vazias.
Fonte:valoronline
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