sexta-feira, 18 de março de 2011

Quando a China vai dominar o mundo?

A pergunta ganha força no momento em que os chineses tiram do Japão o posto de segunda maior economia.

Em seu admirado livro sobre a China, escrito há pouco menos de 100 anos, o intelectual inglês Bertrand Russell traçou num dos capítulos o perfil do caráter chinês. Mistura de filósofo, matemático e historiador, Russell, que morou na China, questionou o mito da “sutileza inescrutável chinesa”, mas sublinhou uma característica que particularmente o impressionou. “Os chineses, ao contrário dos ocidentais, pensam não em décadas, mas em séculos”, afirmou.

 
Russell previu que, a despeito de todas as dificuldades enfrentadas naqueles dias pela China — virtualmente ocupada pelas potências ocidentais —, o país haveria no futuro de disputar com os Estados Unidos a liderança do mundo.

 
Naquele momento, parecia uma afirmação descabida. A China vivia seu “Século da Humilhação”. Fora derrotada pela Inglaterra nas duas Guerras do Ópio, em meados do século 19, e depois rapidamente batida pela nêmesis Japão em 1904.

Uma revolta de guerreiros chineses — os boxers — contra a ocupação ocidental foi destruída pelas balas em relação às quais eles estranhamente se julgavam invulneráveis. A China várias vezes pagou o pedágio de ser militarmente fraca. “O melhor soldado às vezes é o que não luta”, está dito no Tao Te King, um dos livros cultivados fervorosamente pelos chineses. É possível que a China tenha levado isso muito a sério.

Se provocava risos no momento em que foi feito, hoje o prognóstico de Russell se converteu em realidade. Como era esperado, a China acaba de superar oficialmente o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo. Seu PIB de 5,5 trilhões de dólares agora só é menor que o dos Estados Unidos.

A distância ainda é considerável: o PIB americano é quase três vezes maior. Mas ela vem encurtando extraordinariamente rápido graças ao crescimento explosivo da economia chinesa nos últimos 30 anos combinado com um demorado ciclo de estagnação dos Estados Unidos.

No comentado e controvertido livro When China Rules the World (“Quando a China dominar o mundo”), o acadêmico inglês Martin Jacques prevê que a troca de comando na primeira posição se dará em 2050.

Uma imagem que foi recentemente usada no Fórum Econômico Mundial em Davos é expressiva. Segundo ela, o trem chinês já partiu rumo à liderança. A dúvida é quando ele chegará ao destino. Embora os chineses raciocinem em séculos, como disse Russell, o momento da partida do trem é relativamente recente.

Há pouco mais de 30 anos, o então líder chinês Deng Xiaoping flexibilizou a economia. Permitiu que as pessoas montassem seus próprios negócios — até então um anátema no comunismo moldado por Mao Tsé Tung — e disse: “Enriqueçam”.

Paralelamente ao avanço chinês, as duas superpotências dos dias de Deng (na China, o nome da família vem primeiro), Estados Unidos e União Sovié-tica, foram tropeçando. Em grande parte, pelos gastos armamentistas astronômicos em que se envolveram desde a Segunda Guerra Mundial, quando parecia que poderiam se enfrentar num conflito militar.

A União Soviética simplesmente acabou na lata de lixo no final da década de 80. Quanto aos Estados Unidos, as despesas com armas — elevadas à máxima potência na gestão Ronald Reagan no programa Guerra nas Estrelas — provocaram déficits colossais nas contas do país e estão na raiz de sua baixa velocidade econômica das últimas décadas.

Os Estados Unidos, para usar uma expressão que vai se consagrando, vivem hoje um “Momento Sputnik”. A referência é ao satélite artificial que há meio século deu vantagem competitiva à Rússia na corrida espacial que as duas superpotências travavam. Os Estados Unidos conseguiram virar a tendência e acabaram suplantando a Rússia.

E agora, a mágica se repetirá? É uma questão em aberto. Mas não são muitas as pessoas que apostam na manutenção da liderança americana no longo prazo — ou até mesmo no médio. Não, pelo menos, na “Era dos 10%”, como definiu o economista Nouriel Roubini. Nessa era de que fala Roubini, enquanto a China cresce 10% ao ano, os Estados Unidos se debatem com um desemprego também de 10%.

A China também procura um novo caminho. Recentemente, seu governo lançou as bases do 12o Plano Quinquenal. A prioridade é o desenvolvimento científico. Muitos passos já foram dados aí. O último relatório da Unesco nota que a China está prestes a ultrapassar os Estados Unidos em número de pesquisadores.

ciência é essencial para que a China consiga realizar sua meta de ter uma xiaokang — uma sociedade com padrão de vida elevado. A despeito de todos os seus avanços, a China ainda oferece à maior parte de seus cidadãos um padrão de vida bem inferior ao das potências ocidentais.

Há, entre os chineses, um clamor para que a flexibilidade dos últimos 30 anos se acentue — e vá da economia para a política. “Internamente, a real força por trás do crescimento da China — mais de três décadas de caminhada em direção à economia de mercado — enfrenta novos e críticos desafios que demandam mais, e não menos, flexibilidade”, afirma o jornalista Wang Shuo, editor do Caixin Media, um grupo jornalístico chinês.

Shuo nota que, em lugar de ser admirada pela vitalidade econômica, a China vem se transformando num foco de preocupações. “A China tem de reagir a essas percepções sombrias mostrando ao mundo mais flexibilidade”, diz ele. A era do “perfil baixo diplomático”, de toda forma, está encerrada, como diz Wang.

Como seria um mundo dominado pela China? Não muito diferente, ao contrário das paranoias que circulam sobre o “perigo amarelo”. A China nunca foi militarista. Como escreveu Bertrand Russell, os chineses admitem sua fraqueza militar, mas não consideram que “a habilidade em matar” seja uma virtude numa pessoa ou num país.

Provavelmente a mudança mais notável entre os ocidentais é que eles terão de se virar para aprender o mandarim — até eventualmente para trabalhar na China, onde as oportunidades profissionais tendem a ser formidáveis.

Entre os intelectuais chineses, a nova fase gera apreensão. “Hoje, o povo chinês lembra mais os ocidentais do século 19 que os de hoje”, afirma Xu Jilin, professor de história da Universidade Normal da China Oriental. “Você vê nas pessoas um espírito burguês marcado pelo desejo intenso, vitalidade, crueldade e obsessão com bens materiais.”

Xu teme que o ancestral caráter confucionista — derivado de Confúcio, filósofo de 2 500 anos atrás — acabe se perdendo. Confúcio, num pequeno livro que seguidores seus escreveram com base em suas falas, os Analectos, pregava simplicidade e frugalidade. O consumismo atual da sociedade chinesa é bem pouco confucionista.

Entre os ideólogos do Partido Comunista — o único permitido no país, mas pragmático o suficiente para promover uma economia de mercado mesmo mantendo a fachada socialista —, há outra preocupação. Eles temem que o enriquecimento do país aumente as desigualdades sociais.

“A elevação do padrão material de vida tem sido acompanhada por uma crescente disparidade na distribuição da riqueza”, afirma Yu Keping, do Comitê Central do Partido Comunista. “As virtudes da justiça social parecem hoje mais importantes ainda que antes. O crescimento, sozinho, não diminui as desigualdades.”

Também Yu enxerga uma mudança do foco, para o futuro, da economia para a política. A estabilidade política “estática” do país, marcada por restrições, deve, segundo ele, ceder lugar a uma “estabilidade dinâmica”, à base de liberdade de expressão. “Se perdermos a oportunidade de promover reformas políticas ao lado do desenvolvimento científico, os problemas vão se agravar. A credibilidade do governo irá para o abismo, e os ganhos trazidos pelo crescimento poderão se perder.”

Os recentes acontecimentos no Oriente Médio mostram bem o que pode acontecer quando reformas políticas não aparecem por períodos prolongados.

Claro que a situação da China é diferente do lamaçal típico do Oriente Médio — um país que cresce 10% ao ano há três décadas provoca orgulho, mais do que insatisfação, em seus cidadãos. Mas mesmo assim há no mundo árabe em convulsão uma mensagem para o governo chinês: entre os artigos que as pessoas aspiram a consumir, o mais precioso é a liberdade.


FONTE: PORTAL EXAME





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