sábado, 4 de setembro de 2010

Você não precisa de superpoderes para ser um herói


Nos últimos textos vimos como o ambiente influi negativamente nas pessoas, levando-as a cometer maldades. Mas será que não existe a influência positiva? Conheça agora a Imaginação Heróica


Em qualquer transporte coletivo do mundo é incomum encontrar uma pessoa disposta a ceder seu lugar a uma outra - que dirá sua vida.


Em 2 de janeiro de 2007 Wesley Autrey, um operário da construção civil de 50 anos de idade, esperava o metrô junto com suas duas filhas pequenas numa estação no Harlem, Nova Iorque.


Não muito distante, Cameron Hollopeter, um estudante de 20 anos, começou a ter uma crise epiléptica e caiu da plataforma, atravessado sobre os trilhos, no momento em que uma composição se aproximava.


Enquanto uma centena de outros passantes assistia paralizada, Autrey entregou suas filhas a um estranho e se jogou atrás do rapaz. Numa fração de segundos, ele colocou-o no vão entre os trilhos e deitou-se sobre ele, esperando pelo pior.



Wesley Autrey e suas filhas
Um sobre o outro, Autrey e Hollopeter somavam 51 centímetros. O trem de 370 toneladas passou a 53 centímetros do solo, apenas dois centímetros acima da cabeça de Autrey*.


No dia 8 de novembro do mesmo ano, num bairro de classe média baixa da cidade de Palmeira, Santa Catarina, uma pequena casa começou a pegar fogo por causa de um curto-circuito.


Desesperada, Lucilene dos Santos, 36 anos, saiu à rua gritando por socorro para sua filha, a pequena Andrielli de apenas um ano e dez meses, que dormia em seu quarto.


Um vizinho que passava pela rua, Riquelme dos Santos, acalmou-a dizendo para não se preocupar pois ele salvaria a criança. Dito isso, entrou na casa em chamas e, momentos depois voltou com a menina nos braços, sã e salva. Sem dúvida um feito heróico por si só, mas ainda mais impressionante pelo fato de, na ocasião, Riquelme ter apenas cinco anos de idade† e estar vestido como seu herói favorito: o Homem Aranha.


O que essas duas histórias têm em comum, além do fato de representarem inspiradores atos de bravura? Elas mostram pessoas comuns agindo de forma incomum em situações extraordinárias.


Pessoas que, como a maioria das outras que observavam impassíveis à mesma cena, poderiam ter optado por permanecer imóveis, assistindo ao desenrolar de mais uma tragédia.


Este comportamento, estimulado pelo que Philip Zimbardo batizou de Imaginação Heróica representa, para ele, a cura para o chamado Efeito Lúcifer.


A tese defendida pelo psicólogo americano é que algumas situações têm o poder de fazer três coisas: inspirar a maldade em uns; atos heróicos em outros; ou ainda, a indiferença.


Pois a mesma situação que pode fazer com que sejamos cruéis ou bondosos, indiferentes ou zelosos, destrutivos ou criativos, vilões ou heróis. A mesma situação.


Para Zimbardo nós precisamos instilar na população o sentimento de que podemos fazer a diferença em ocasiões especiais. Ele acredita que o heroísmo é o melhor antídoto para a maldade. Ao promover a imaginação heróica, especialmente nas crianças, queremos as pessoas pensando: "Eu sou o herói adormecido e estou esperando aparecer a situação onde agirei de forma heróica".


Heróis são pessoas comuns cuja ação social é incomum, que agem em meio à passividade alheia, que abdicam do egocentrismo em nome do sociocentrismo. As chaves para o heroísmo são, portanto, agir enquanto os outros estão passivos e fazê-lo em nome da sociedade e não em benefício próprio.


Zimbardo ainda contrapõe sua idéia de Imaginação Heróica ao conceito de Banalidade do Mal, cunhado por Hannah Arendt em sua obra Eichmann em Jarusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Quando a escritora alemã descreveu Adolf Eichmann, o arquiteto do Holocausto, como uma pessoa comum que apenas recebia ordens, ela foi contra todos os que viam nele um monstruoso sociopata - além de causar revolta na comunidade judaica. Arendt classificou Eichmann como um indivíduo normal que, em situações extraordinárias, tomou decisões erradas.



Hannah Arendt
No outro extremo estariam, para Zimbardo, as pessoas que tomam as decisões certas: os heróis. Mas, ainda segundo ele, os modelos que temos de heróis são equivocados - e, talvez por isso, a idéia ainda pareça estranha à leitora.


Quando pensamos em heróis, idealizamos figuras como Gandhi, Mandela e Luther King, mas estas são pessoas extraordinárias, raras exceções na raça humana e que sacrificaram suas vidas em nome daquilo que defendiam.


Tampouco servem os heróis infantis, uma vez que são dotados de super poderes, distanciando-se bastante da pessoa comum.


Os heróis de Zimbardo são pessoas comuns, como eu e você. São os Riquelmes e Auters que habitam em nós - embora o pequeno herói não tivesse noção do risco que corria, pelo perigo da situação ou por não contar, de fato, com os poderes do alter-ego de Peter Parker. São os anônimos heróis do dia-a-dia esperando, adormecidos, sua grande chance de fazer algo diferente (e que não necessariamente representará algum risco de morte).


Porque a chance para se tornar um herói pode vir uma única vez na sua vida. E se você deixá-la passar, saberá disso para sempre.


A IMAGINAÇÃO HERÓICA E A ADMINISTRAÇÃO


Quantas vezes em nossas vidas presenciamos maldades, injustiças e covardias, sem tomar atitude alguma? Ou ainda, quantas vezes você sofreu maldades, covardias ou injustiças e ficou indignada porque ninguém fez nada? E qual a diferença entre as duas situações? Como você pode cobrar uma atitude das outras pessoas se você mesma não as toma?


A Imaginação Heróica, tal como descrita por Zimbardo, expõe essa inconsistência do nosso comportamento, ao mesmo tempo em que a sugere como antídoto para o que batizou de efeito Lúcifer.


Quantas vezes presenciamos essas atitudes negativas em nosso dia-a-dia? E por que jamais enxergamos isso como oportunidades de fazermos a diferença na vida de alguém? Por que temos sempre que racionalizar estes momentos e pensar sempre no que arriscamos perder, em vez de nos dar conta de que alguém pode estar perdendo tudo o que tem?


Nos exemplos citados, tanto Autrey quanto Riquelme arriscaram suas vidas. Por que nós não podemos arriscar nossos empregos ou relacionamentos em momentos onde isso se faz necessário. (Claro, vamos guardar as devidas proporções aqui porque, afinal, espero que no seu trabalho você não presencie pessoas morrendo todos os dias.)


Mas quando você se omite ao presenciar tais situações, está deixando o caminho livre para a proliferação do efeito Lúcifer. Além de perder uma ótima oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém. Ou mesmo na sua.


* A passagem do trem manchou de graxa seu adorado boné com o logotipo da Playboy, mas rendeu-lhe uma assinatura vitalícia da revista, oferecida pelo próprio Hugh Hefner.


† Na média, um menino dessa idade mede 107 centímetros e pesa pouco menos de 19 quilos, ao passo que uma menina de um ano e dez meses mede cerca de 80 centímetros e pesa 11 quilos. Ou seja, o herói era um palmo e meio maior do que Andrielli e carregou-a no colo, apesar de ela ter quase 60% do seu peso.


Fonte:administradores.com.br

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