Em vez de lamentar o final de uma era de roupa barata, Mike Flanagan, CEO da Clothesource Sourcing Intelligence, uma consultora britânica especializada no sector do vestuário, desafia retalhistas e compradores a baixarem novamente os preços, através de novas práticas criativas.
Neste artigo de opinião, Flanagan defende a oferta de mais valor aos clientes e maior pressão em vários pontos da cadeia de aprovisionamento para gerir os factores que afectam o preço.
O preço médio do vestuário no Reino Unido aumentou 0,9% em Setembro de 2010 em relação a igual período de 2009 – o primeiro aumento de preço anual no Reino Unido desde que os registos actuais começaram, em Janeiro de 1996.
Não é de estranhar que os analistas já estejam a falar sobre o «fim da era da roupa barata». Mas, certamente, ninguém acreditou seriamente que os preços do vestuário continuariam a cair durante os próximos anos, da mesma forma como têm caído no Reino Unido ao longo dos últimos 15 anos.
Dito isto, no entanto, mesmo o aumento de 0,9% em Setembro surgiu de um incremento de 2,5% sobre os impostos de vendas em relação ao ano anterior. Eliminando este acréscimo, o preço antes de impostos das roupas caiu realmente mais uma vez – como tinha já acontecido, pelo menos, nos 180 meses anteriores.
Nos últimos 20 anos, os preços do vestuário caíram principalmente porque as barreiras de importação dos países ricos foram progressivamente eliminadas. E à medida que se eliminaram mais barreiras, os compradores puderam esperar com confiança que a cada ano iam encontrar preços de vestuário em algum lugar do mundo mais baratos do que no ano anterior.
Demorou muito tempo para essas barreiras serem suprimidas e para os comerciantes terem a confiança de que os preços iam permanecer em baixa. Na verdade, foi apenas em Janeiro de 2009 que os EUA removeram as últimas quotas contra a China e a UE deixou de exigir licenças chinesas de exportação.
Mas agora os preços das matérias-primas estão a subir, os salários estão a aumentar nos principais países produtores e o yuan chinês está a valorizar pelo menos um pouco.
Não foram apenas os salários baixos que fomentaram os cortes de preços nos últimos 20 anos. Muitos fabricantes asiáticos construíram novas fábricas na expectativa de que a procura ocidental iria crescer mais rapidamente do que aconteceu e tomaram decisões de preços que acabaram por tornar prejudicial manter o excesso de capacidade em operação.
• Muitas fábricas chinesas, entre meados de 2008 e 2009, aceitaram qualquer encomenda que pudessem para manter as suas linhas a trabalhar, muitas vezes consentindo em curtos períodos de prejuízo. Mas com a procura interna em expansão, as empresas chinesas estão agora a tentar esquivar-se de muitos contratos de baixo volume que são menos lucrativos do que outras encomendas que lhes estão a ser oferecidas.
• Quando a rupia indiana aumentou face ao dólar entre o final de 2007 e 2008, muitas empresas indianas perderam muito por não terem protecção contra a valorização da sua moeda. Agora, confrontados com a nova valorização cambial, muitos indianos preferem o risco de perder vendas do que arriscar mais perdas com preços abaixo do normal.
Durante 20 anos, conseguir esses preços baixos exigiu aos compradores um pouco de investigação e alguma discussão, mas realmente não necessitou de habilidades de negociação formidáveis.
Agora, com as poucas barreiras significativas a ponto de cair (a UE e os EUA não vão abolir os direitos de importação de vestuário da China em breve) e a procura de vestuário a crescer mais rapidamente do que as fábricas para produzir, chegou certamente ao fim – há alguns anos pelo menos – a época de redução anual garantida do preço.
Existe mais do que isto?
Alguns analistas vêem consequências mais profundas para o comércio global. Eles vêem os aumentos salariais dos trabalhadores e o crescente custo das matérias-primas a fomentarem uma nova era em que os compradores deixam de se preocupar com os preços e a produção de vestuário regressa aos países ricos.
Os compradores de retalho, todavia, não vão deixar de querer preços baixos. E os consumidores, muito provavelmente, não vão deixar de, caso seja tudo igual, comprar uma roupa mais barata em vez de outra mais cara.
Entre as várias opções para manter o preço baixo do vestuário, existem diversos pontos na cadeia de aprovisionamento onde é possível actuar, nomeadamente: composição das fibras, novos fornecedores, tempos de produção e transporte.
Em vez de lamentar o fim da roupa barata, Mike Flanagan, CEO da Clothesource Sourcing Intelligence, uma consultora britânica especializada no sector do vestuário, desafia os retalhistas e compradores a baixarem novamente os preços, através de novas práticas criativas. Na segunda parte deste artigo de opinião, o autor apresenta vários pontos da cadeia de aprovisionamento onde os factores que afectam o preço podem ser alvo de actuação.
O fim das reduções de preços anuais garantidas significa simplesmente que os compradores vão trabalhar mais arduamente para oferecer aos seus clientes o melhor valor, exercendo pressão sobre as diferentes partes da cadeia de aprovisionamento. Vamos ver:
• Substituição das fibras caras. Existe actualmente uma escassez de algodão. Mas ao longo dos próximos anos, não há falta de novas empresas de viscose e poliéster, prontas para entrar em funcionamento. As empresas de tecidos vão simplesmente recorrer mais à criatividade para produzir tecidos a partir de materiais que possuam algumas das qualidades do algodão (como respirabilidade) ou para promover melhor algumas das qualidades destas matérias alternativas (como facilidade de passar a ferro e secagem rápida). Explorando possivelmente o facto da produção de viscose, ao contrário do algodão, incentivar a reflorestação e que os tecidos de fácil manutenção provocam menos emissões de carbono nos ciclos de lavagem e secagem do vestuário.
• Variedades de algodão de maior rendimento. Há uma centena de anos atrás, as ovelhas da região inglesa de Cotswolds, produziam apenas um quarto da quantidade de lã que produzem actualmente, não sendo utilizada uma grama de insecticida nos pastos. O algodão está em falta porque esgotamos a terra, mas a história dos últimos séculos tem evidenciado o constante aumento na quantidade de qualquer produto agrícola que possa ser cultivado num hectare de terreno.
• Mais procura por novas fábricas de vestuário. A confecção de vestuário é de mão-de-obra intensiva – e no mundo não há falta de pessoas dispostas a trabalhar por salários baixos. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação estima que em 2009 existiam 1,02 mil milhões de pessoas que sofriam de desnutrição, o maior número na história humana, evidenciando um aumento de 20% em relação a 2006. O povo da China pode estar a negociar aumentos salariais, mas existem outros lugares desesperados por qualquer trabalho que a China possa deitar fora.
• Pressão contínua sobre os tempos de produção e transporte. A maioria das previsões de transportes mais rápidos possui geralmente uma dose de ficção científica. Mas existem caminhos-de-ferro da China, da Índia e do Paquistão para a Europa, que estão actualmente em uso, e existem planos activos para utilizá-los com o objectivo de reduzir as semanas, que são necessárias para movimentar mercadorias por via marítima para cerca de dez dias. Apenas uma das muitas formas que as empresas vão utilizar para eliminar o desperdício do sistema de transporte.
• Alterar os modelos de negócio no retalho. O mais extraordinário nos preços do vestuário na última década tem sido como estes variaram entre países. No Reino Unido, os preços do vestuário, em Agosto de 2010 foram 54% mais baixos do que em Janeiro de 1996, ano em que as quotas sobre a importação de vestuário começaram a cair. Com os preços em geral a crescerem 33% ao longo destes 15 anos, os preços do vestuário caíram 65%. Nos EUA, os preços do vestuário caíram 37%, enquanto na Zona Euro caíram apenas 20% em relação a outros preços.
Porque difere o Reino Unido dos EUA e do resto da Europa? Em parte devido à mudança de atitudes dos retalhistas em relação às margens. Liderados pela Primark, muitos retalhistas abandonaram a filosofia de começar a vida de uma peça de roupa com uma margem enorme, para depois diminuir o preço até eliminar os stocks. Em vez disso, tal como os supermercados, muitos começam com uma margem modesta, criando vendas por metro quadrado elevadas, como resultado dos preços baixos, e só recorrem a descontos para limpar os erros graves.
Quer a prática seja introduzida noutros países pela Primark ou por um concorrente, os retalhistas vão provavelmente adoptar este modelo, da mesma forma como outros têm copiado as inovações da Zara ao nível da reacção rápida ao mercado.
• Mais pressão sobre os fornecedores. Não haverá limite para como o comprador vai apertar os fornecedores. Aqui estão dois exemplos:
1. Quase todos os compradores de vestuário expressam frustração sobre o que eles estão convencidos ser extorsão por parte dos fabricantes de tecido. Um par de calças de jeans de mulher pesa 493 gramas. O fio de algodão custa actualmente cerca de 3,95 dólares por quilo – cerca de 57% acima em relação ao preço de há um ano. Então, da forma como os compradores de vestuário vêem a situação, o aumento do preço do fio deve adicionar cerca de 70 centavos ao preço de um par de jeans. E eles estão convencidos que os fabricantes estão a tentar tapar os olhos com o algodão, com argumentos complicados sobre a razão para os preços subirem mais rapidamente.
2. O agente de aprovisionamento Li & Fung, o maior comprador de vestuário do mundo após a Wal-Mart, foi recentemente citado a referir aumentos de preços de 30%, apesar dos dados da alfândega dos EUA evidenciarem que os preços médios do vestuário proveniente da China ainda estão a cair. Os retalhistas raramente são os mais confiáveis – e estão convencidos que os agentes compram melhor quando os preços podem ser comparados aos preços que outros compradores estão a conseguir. Espera-se que mais retalhistas utilizem agentes para introduzir maior concorrência entre fornecedores.
• Mais conselhos sobre gestão de estratégias de aprovisionamento. À medida que os compradores revêem as suas estratégias de aprovisionamento, o acesso a informação e conhecimento assume uma importância fundamental.
Levará tempo para a produção sair da Ásia Oriental, para os preços das fibras caírem ou para qualquer outra mudança de redução de preço acontecer. Os retalhistas vão ter que aprender a viver com o fim da “era da redução anual garantida de preço” – pelo menos durante algum tempo. Mas em breve vão voltar a ter a habilidade para diminuir novamente os preços, através de novos processos criativos.
A ideia de que a produção vai voltar para a Toscânia ou para a Carolina do Sul não é mais realista do que a ideia das ovelhas em Cotswolds serem novamente os principais fornecedores mundiais de tecido de alta qualidade, como eram em 1510.
Estamos prestes a entrar numa nova era, mas essa era será uma época em que os retalhistas e as marcas simplesmente desenvolvem um novo arsenal de gestão de preços. Quem vai fazê-lo melhor e quanto tempo vai demorar, ninguém sabe. Mas que ninguém espere que uma camisa de poliéster na Wal-Mart ultrapasse os 100 dólares durante os próximos 50 anos.
Fonte:portugaltextil.com