Como o ex-craque se tornou a figura mais influente do futebol brasileiro - e como ele encara o risco de arranhar sua imagem na Copa do Mundo de 2014.
Ronaldo no anúncio das sedes da Copa das Confederações de 2012, no Museu do Futebol, em São Paulo - Paulo Whitaker/Reuters
O apelido que
acompanhou o maior artilheiro da história das Copas do Mundo em sua
trajetória como jogador é perfeito para descrever Ronaldo Luís Nazário
de Lima, de 36 anos, em sua nova carreira. Afinal, o que o ex-craque
conseguiu realizar em apenas dois anos, desde que pendurou as chuteiras,
é simplesmente fenomenal. São poucos os ex-atletas de primeiro escalão
que conseguem repetir em sua nova profissão o sucesso conquistado nos
campos, pistas ou quadras. Mais raros ainda são os que superam
rapidamente o trauma da aposentadoria precoce e encontram um novo rumo
sem muita hesitação.
Ronaldo foi além:
hoje, é a figura mais influente do futebol brasileiro, o homem-forte do
Mundial de 2014 e um provável candidato à presidência da CBF ou do
Comitê Organizador Local (COL) da Copa. Graças ao seu carisma,
popularidade e uma surpreendente habilidade para farejar bons negócios,
Ronaldo arrebanhou clientes de peso, ampliou sua rede de contatos e
acumulou poder. É sócio de uma das principais agências de marketing
esportivo do país, a 9ine. Com bom trânsito entre políticos das mais
variadas vertentes, é um dos garotos-propaganda das ações do governo
federal para o Mundial. No comitê da Copa, é o rosto mais conhecido e o
interlocutor preferido de Joseph Blatter e Jérôme Valcke.
Por fim, desde a
semana passada, encabeça o time de comentaristas da TV Globo, parceira
da Fifa na promoção do evento - foi escalado para estrelar as
transmissões da Copa das Confederações deste ano e, claro, do Mundial do
ano que vem. Desde que acertou seu contrato com a emissora, Ronaldo vem
sendo criticado por outros comentaristas - agora seus colegas de
profissão - em função da tentativa de conciliar atividades aparentemente
conflitantes (e da resistência em abrir mão de qualquer uma delas). Ele
usará o microfone mais poderoso do país para criticar seus próprios
parceiros comerciais, como Neymar? Caso o Mundial seja um fiasco, ele
será capaz de afirmar, ao vivo na tela da Globo, que o comitê
organizador que ele próprio integra fracassou?
Como se todos esses
compromissos profissionais não fossem o bastante para preencher sua
agenda, Ronaldo dará início a mais um projeto pessoal na terça-feira, quando embarca para uma temporada em Londres.
Na capital britânica, será, acredite, estagiário. Vai afiar seu inglês
(que hoje afirma ser "medíocre") e ganhar experiência numa das mais
prestigiosas agências de publicidade do mundo, a WPP, cria de Martin
Sorell, sócio minoritário da 9ine e CEO de um grupo cujo faturamento
anual chega a 140 bilhões de reais. Ronaldo promete passar pelo menos
uma semana por mês no Brasil. Sua ponte aérea até 2014 será entre
Londres e o Rio de Janeiro, com eventuais passagens por São Paulo, onde
fica a sede da 9ine. A experiência londrina pode ser encurtada se a
imagem de José Maria Marin, o enrolado presidente da CBF e do COL,
continuar se desgastando
Acredita-se que
Ronaldo seria o nome preferido do governo e da Fifa para assumir a
presidência do comitê organizador na esteira de uma eventual queda de
Marin. É como se, caso ainda fosse atleta, o Fenômeno pudesse jogar como
atacante, acumular o cargo de técnico, treinar para ser goleiro e ainda
dirigir o ônibus da equipe. Esse acúmulo de cargos e funções fora dos
gramados, com amplo terreno para prováveis choques de interesses e campo
fértil para insinuações e suspeitas, é o grande desafio do ex-craque - e
certamente a jogada mais ousada e arriscada de sua vida. Ao assumir o
papel de "dono da Copa" na reta final dos preparativos para a competição
- um evento que, como se sabe, está longe de ser um modelo de
organização até agora -, o artilheiro coloca em risco uma reputação
construída ao longo de duas décadas de muito suor e superação dentro de
campo. Admirado por brasileiros de todas as faixas etárias e classes
sociais, Ronaldo já passou relativamente incólume por muitos
constrangimentos e trapalhadas. O país parece ter uma generosa dose de
tolerância com um ídolo que viu crescer, brilhar e se reerguer depois de
incontáveis tombos. Para o torcedor, Ronaldo é um bom sujeito, mas que
comete suas burradas, como qualquer um. Desta vez, no entanto, as
consequências de suas ações não serão refletidas apenas nele próprio,
mas também no país. Ele é rosto do Mundial no Brasil e no exterior.
Agora, um erro de avaliação ou desvio de conduta pode deixar cicatrizes
muito mais profundas em sua imagem.
Um dos últimos
superastros do esporte no Brasil, Ronaldo tem pouquíssimo a ganhar e
muito a perder com seu envolvimento com a Copa do Mundo de 2014. O
dinheiro, por exemplo, há muito deixou de ser uma prioridade. O
patrimônio acumulado durante a carreira de jogador, estimado em um
bilhão de reais, é a garantia de uma vida de conforto e luxo aos seus
quatro filhos (Ronald, Maria Sofia, Maria Alice e Alex) e gerações de
futuros descendentes. Conservador em seus investimentos - nesta semana,
revelou que poupa 80% de tudo o que ganhou e investe apenas 20% na 9ine e
em outros negócios -, Ronaldo lembra que está "com a vida ganha" e que,
portanto, não precisa usar sua influência em benefício financeiro
próprio. De fato, é difícil imaginar que o ex-craque recorreria a
expedientes nebulosos para conseguir um novo cliente ou fechar um novo
contrato - simplesmente porque ele não precisa de dinheiro e nunca foi
um sujeito ganancioso. Como qualquer superatleta, porém, Ronaldo tem um
temperamento muito competitivo e sente prazer em vencer desafios. É
justamente assim que ele encara a condução dos negócios da 9ine.
O trabalho na
agência foi tão satisfatório para Ronaldo que a traumática aposentadoria
como jogador, anunciada em 2011, foi superada num prazo relativamente
curto. A empresa, portanto, precisa seguir crescendo para manter o
principal sócio sorrindo. E as oportunidades de negócio apresentadas
pela Copa são intermináveis e tentadoras. Uma das primeiras suspeitas em
torno da atuação de Ronaldo nos bastidores da organização do evento foi
a vitória da Marfinite na disputa para fornecer as cadeiras da Arena
Fonte Nova, estádio erguido com dinheiro público, em Salvador. A empresa foi escolhida mesmo não tendo a certificação obrigatória do Inmetro,
responsável pelas normas técnicas que devem ser seguidas no país. Meses
antes, a empresa havia fechado um contrato com a 9ine - com
participação direta do ex-craque nas negociações. Ronaldo negou ter
influenciado na escolha da Marfinite pelos baianos. Os clientes de
Ronaldo deverão fabricar os assentos de mais um estádio do Mundial: o
Itaquerão, futura casa do Corinthians, último clube da carreira do
jogador. Andrés Sanchez, ex-presidente corintiano que virou amigo e
grande aliado do ex-craque, é o principal responsável pela condução da
obra.
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