domingo, 7 de abril de 2013

A jogada mais ousada de Ronaldo, o dono da bola no país

Como o ex-craque se tornou a figura mais influente do futebol brasileiro - e como ele encara o risco de arranhar sua imagem na Copa do Mundo de 2014.

Ronaldo no anúncio das sedes da Copa das Confederações de 2012, no Museu do Futebol, em São Paulo
Ronaldo no anúncio das sedes da Copa das Confederações de 2012, no Museu do Futebol, em São Paulo - Paulo Whitaker/Reuters
O apelido que acompanhou o maior artilheiro da história das Copas do Mundo em sua trajetória como jogador é perfeito para descrever Ronaldo Luís Nazário de Lima, de 36 anos, em sua nova carreira. Afinal, o que o ex-craque conseguiu realizar em apenas dois anos, desde que pendurou as chuteiras, é simplesmente fenomenal. São poucos os ex-atletas de primeiro escalão que conseguem repetir em sua nova profissão o sucesso conquistado nos campos, pistas ou quadras. Mais raros ainda são os que superam rapidamente o trauma da aposentadoria precoce e encontram um novo rumo sem muita hesitação.
Ronaldo foi além: hoje, é a figura mais influente do futebol brasileiro, o homem-forte do Mundial de 2014 e um provável candidato à presidência da CBF ou do Comitê Organizador Local (COL) da Copa. Graças ao seu carisma, popularidade e uma surpreendente habilidade para farejar bons negócios, Ronaldo arrebanhou clientes de peso, ampliou sua rede de contatos e acumulou poder. É sócio de uma das principais agências de marketing esportivo do país, a 9ine. Com bom trânsito entre políticos das mais variadas vertentes, é um dos garotos-propaganda das ações do governo federal para o Mundial. No comitê da Copa, é o rosto mais conhecido e o interlocutor preferido de Joseph Blatter e Jérôme Valcke.
Por fim, desde a semana passada, encabeça o time de comentaristas da TV Globo, parceira da Fifa na promoção do evento - foi escalado para estrelar as transmissões da Copa das Confederações deste ano e, claro, do Mundial do ano que vem. Desde que acertou seu contrato com a emissora, Ronaldo vem sendo criticado por outros comentaristas - agora seus colegas de profissão - em função da tentativa de conciliar atividades aparentemente conflitantes (e da resistência em abrir mão de qualquer uma delas). Ele usará o microfone mais poderoso do país para criticar seus próprios parceiros comerciais, como Neymar? Caso o Mundial seja um fiasco, ele será capaz de afirmar, ao vivo na tela da Globo, que o comitê organizador que ele próprio integra fracassou?
Como se todos esses compromissos profissionais não fossem o bastante para preencher sua agenda, Ronaldo dará início a mais um projeto pessoal na terça-feira, quando embarca para uma temporada em Londres. Na capital britânica, será, acredite, estagiário. Vai afiar seu inglês (que hoje afirma ser "medíocre") e ganhar experiência numa das mais prestigiosas agências de publicidade do mundo, a WPP, cria de Martin Sorell, sócio minoritário da 9ine e CEO de um grupo cujo faturamento anual chega a 140 bilhões de reais. Ronaldo promete passar pelo menos uma semana por mês no Brasil. Sua ponte aérea até 2014 será entre Londres e o Rio de Janeiro, com eventuais passagens por São Paulo, onde fica a sede da 9ine. A experiência londrina pode ser encurtada se a imagem de José Maria Marin, o enrolado presidente da CBF e do COL, continuar se desgastando
Acredita-se que Ronaldo seria o nome preferido do governo e da Fifa para assumir a presidência do comitê organizador na esteira de uma eventual queda de Marin. É como se, caso ainda fosse atleta, o Fenômeno pudesse jogar como atacante, acumular o cargo de técnico, treinar para ser goleiro e ainda dirigir o ônibus da equipe. Esse acúmulo de cargos e funções fora dos gramados, com amplo terreno para prováveis choques de interesses e campo fértil para insinuações e suspeitas, é o grande desafio do ex-craque - e certamente a jogada mais ousada e arriscada de sua vida. Ao assumir o papel de "dono da Copa" na reta final dos preparativos para a competição - um evento que, como se sabe, está longe de ser um modelo de organização até agora -, o artilheiro coloca em risco uma reputação construída ao longo de duas décadas de muito suor e superação dentro de campo. Admirado por brasileiros de todas as faixas etárias e classes sociais, Ronaldo já passou relativamente incólume por muitos constrangimentos e trapalhadas. O país parece ter uma generosa dose de tolerância com um ídolo que viu crescer, brilhar e se reerguer depois de incontáveis tombos. Para o torcedor, Ronaldo é um bom sujeito, mas que comete suas burradas, como qualquer um. Desta vez, no entanto, as consequências de suas ações não serão refletidas apenas nele próprio, mas também no país. Ele é rosto do Mundial no Brasil e no exterior. Agora, um erro de avaliação ou desvio de conduta pode deixar cicatrizes muito mais profundas em sua imagem.
Um dos últimos superastros do esporte no Brasil, Ronaldo tem pouquíssimo a ganhar e muito a perder com seu envolvimento com a Copa do Mundo de 2014. O dinheiro, por exemplo, há muito deixou de ser uma prioridade. O patrimônio acumulado durante a carreira de jogador, estimado em um bilhão de reais, é a garantia de uma vida de conforto e luxo aos seus quatro filhos (Ronald, Maria Sofia, Maria Alice e Alex) e gerações de futuros descendentes. Conservador em seus investimentos - nesta semana, revelou que poupa 80% de tudo o que ganhou e investe apenas 20% na 9ine e em outros negócios -, Ronaldo lembra que está "com a vida ganha" e que, portanto, não precisa usar sua influência em benefício financeiro próprio. De fato, é difícil imaginar que o ex-craque recorreria a expedientes nebulosos para conseguir um novo cliente ou fechar um novo contrato - simplesmente porque ele não precisa de dinheiro e nunca foi um sujeito ganancioso. Como qualquer superatleta, porém, Ronaldo tem um temperamento muito competitivo e sente prazer em vencer desafios. É justamente assim que ele encara a condução dos negócios da 9ine.
O trabalho na agência foi tão satisfatório para Ronaldo que a traumática aposentadoria como jogador, anunciada em 2011, foi superada num prazo relativamente curto. A empresa, portanto, precisa seguir crescendo para manter o principal sócio sorrindo. E as oportunidades de negócio apresentadas pela Copa são intermináveis e tentadoras. Uma das primeiras suspeitas em torno da atuação de Ronaldo nos bastidores da organização do evento foi a vitória da Marfinite na disputa para fornecer as cadeiras da Arena Fonte Nova, estádio erguido com dinheiro público, em Salvador. A empresa foi escolhida mesmo não tendo a certificação obrigatória do Inmetro, responsável pelas normas técnicas que devem ser seguidas no país. Meses antes, a empresa havia fechado um contrato com a 9ine - com participação direta do ex-craque nas negociações. Ronaldo negou ter influenciado na escolha da Marfinite pelos baianos. Os clientes de Ronaldo deverão fabricar os assentos de mais um estádio do Mundial: o Itaquerão, futura casa do Corinthians, último clube da carreira do jogador. Andrés Sanchez, ex-presidente corintiano que virou amigo e grande aliado do ex-craque, é o principal responsável pela condução da obra.

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