Depois de reciclar materiais, agora, é a vez de reciclar os processos de produção. O jeans verde é um exemplo.
A Levi´s acaba de lançar uma coleção de jeans ecológico. Trata-se da Levi´s Water Less (menos água), que promete reduzir os impactos industriais no meio ambiente
A moda cada vez mais volta o seu olhar para as questões socioambientais. Palavras como sustentabilidade,
responsabilidade social e reciclagem passaram a ser agregadas, a partir dos anos 1990, ao dicionário da indústria da moda, que conta com um dilema. Ou se adequa às novas regras - algumas ditadas pela própria natureza, materializadas pela escassez de água e de outros recursos naturais - ou poderá ver sua marca perder dividendos, uma vez que a moda verde funciona como um novo filão de mercado.
É que cresce, a cada dia, o número de consumidores conscientes.
Para não perder o bonde da história, a indústria da moda, que funciona como um código de linguagem na sociedade contemporânea, aos poucos, vem dando resposta a essa seleta fatia de mercado com os "produtos verdes".
Por ser um fenômeno social e cultural, a moda dita formas de comportamento, transformando algumas roupas em ícones, sendo o jeans um exemplo. No início, esteve associado à resistência, ousadia e irreverência. Depois de vestir mineiros e cowboys, no fim do século XIX e início do século XX, invade as passarelas nos 1970. Com a versatilidade de um camaleão, o velho jeans prova que tem muito mais do que sete vidas. Entra o século XXI não mais vestindo mineiros e vaqueiros, mas sim os consumidores conscientes, daí a algumas indústrias investirem no jeans ecológico.
Reciclar processos
"Há algum tempo a indústria da moda se volta para a sustentabilidade. Depois de reciclar os materiais, agora, é a vez de reciclar os processos", afirma a estilista Raquel Araújo Martins, com mestrado em comportamento do consumidor de calça jeans, ela trabalha com assessoria de criação e lavanderia jeans.
A tendência do produto sustentável é muito forte, mas ainda conta um agravante: o custo. Infelizmente, o processo de produção, sobretudo em escala industrial, à luz da sustentabilidade "é caro", argumenta. Explica que, "mesmo nos países com sistema fabril bem organizado a exemplo da França, é caro", reforça. A saída da indústria, que cada vez mais, aposta em tecnologia em detrimento de mão-de-obra humana, é solucionar cada passo da cadeia produtiva.
A estilista admite que essa filosofia está indo para dentro da empresa, ou seja, o sistema de gestão sustentável, que, além de não prejudicar o meio ambiente, traz benefícios às pessoas. A maioria das marcas que envereda para este nicho de mercado está voltada para a exportação. Cita os casos da marca Osklen, que fabrica parte dos produtos na linha verde e a Natural Fashion, na Paraíba, e trabalha com algodão orgânico.
Jeans
A água é um dos principais elementos na cadeia de produção do jeans, cujo gasto médio para a fabricação de uma calça é de 42 litros. A lavanderia constitui um dos processos da cadeia produtiva que causa mais impacto, tanto pelo gasto de água, quanto pelo uso de produtos químicos. Muitas lavanderias - o Ceará está incluído - realizam reúso de água para minimizar os impactos do processo. Existem empresas que estão optando pelo ozônio a fim de diminuir o uso de água. A lavagem com ozônio é mais econômica, porém limita as variações de cores, avisa. A produção de jeans verde (algumas marcas estão produzindo, sendo a Levi´s uma delas) é uma tentativa de diminuir os impactos, sobretudo com o gastos de água e uso de produtos químicos.
"Além de mais caros, apresentam poucas variações de cores" revela, completando que ainda não chegou ao Brasil.
"Hoje, o tingimento é industrial e com produtos químicos". O jeans ecológico, guardadas as devidas proporções, representa um retorno aos métodos artesanais de produção. Ou, no mínimo, serve para amenizar os impactos da indústria no meio ambiente. "No início, o processo de lavanderia era artesanal", lembra Raquel Araújo, completando que tudo começou quando dois estilistas resolveram jogar pedra-pomes na máquina para fazer o processo de desgaste. Hoje, o desgaste é feito de forma industrial.
Moda ética
Nesse contexto, surge a moda ética, voltada para a reciclagem. "A dificuldade é conseguir o material", analisa Raquel Araújo. A reboque dessa moda, existe um grupo de profissionais que pesquisa novos materiais como os botões feitos de coco, que fazem parte do jeans verde lançado pela Levi´s, a Levi´s Water Less (menos água).
A Levi´s pode ser considerada uma das pioneiras quando o assunto é respeito ao meio ambiente, com destaque para práticas socioambientais que incluem relações trabalhistas e métodos que preservam os recursos naturais, como a água e cadeia produtiva 100% orgânica.
A cadeia da indústria têxtil está voltada para a defesa do meio ambiente, garante Reinaldo Rozzatti, presidente da Associação Brasileira de Técnicos Têxteis (Abtt). Prova disso é o "desenvolvimento de processos úmidos de tingimento de tecidos e malhas utilizando banhos curtos com baixo volume de água". No caso da lavagem dos jeans, ressalta que, hoje, a indústria procura desenvolver processos mecânicos que apresentem "looks" obtidos somente através da lavagem das peças e o emprego de muitos litros de água.
"Quando a moda passa a fazer parte do campo do Design, ela está, necessariamente, comprometida com as questões socioambientais", admite Hendrick Lezec, professor do curso de Design e Moda da Universidade Federal do Ceará (UFC), defendendo que o tema faça parte dos currículos dos cursos de Design de Moda. "Não é possível assegurar que, enquanto empresários, os egressos estejam isentos de colocar preocupações com a lucratividade de seus empreendimentos em primeiro plano". Em relação aos produtos "eco-friendly", a exemplo do jeans ecológico, a economia de água é apenas uma etapa do processo. "Temos outras formas de contribuir no processo têxtil, desde a matéria-prima, até o produto acabado.
O professor destaca que a produção voltada para sustentabilidade, pelo menos no Brasil, ainda é constituída de ações isoladas buscando um mercado diferenciado, que demandam investimentos em pesquisa e desenvolvimento. "O problema está nas pequenas empresas têxteis que fabricam o jeans", diz, justificando não terem controle sobre seus resíduos químicos.
FONTE: DIARIO DO NORDESTE
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