quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Consumo e Consumismo na China

Empresas de países desenvolvidos do mundo inteiro estão de olho em quatro grandes mercados: os do Brasil, Rússia, Índia e China. A razão é bem simples: nos países em que são sediadas, essas empresas não conseguem concretizar com grandeza a vocação de todo capital, que é lucrar e crescer, sucessiva e infinitamente.

Portanto, é preciso buscar mercados onde haja grandes massas de população com renda crescente, capazes de consumir muito, como é o caso destes quatro. De todos, a China é o maior. E o que está acontecendo lá em termos de consumo é paradoxal para quem conheceu o país dos anos 80 para trás.

Karl Gerth, professor de História Chinesa Moderna na Universidade de Oxford, Inglaterra, nasceu e criou-se lá e conheceu um país bem diferente. Ele conhece bem o os produtos, as marcas, restaurantes, lojas e até o que é anunciado dentro dos banheiros públicos femininos. Suas observações sobre as tendências de consumo crescente dos chineses estão em As China Goes, So Goes the World: How Chinese Consumers Are Transforming Everything (em português, uma boa tradução seria "A China toca, o mundo dança: como os consumidores chineses estão transformando tudo", editora Hill and Wang, 272 páginas).

Desde que Mao Tse Tung fundou a República Popular da China, em 1949, o país foi marcado por uma aversão ao consumismo. No tempo em que Gerth estudava em Pequim, por exemplo, não existiam salões de beleza, todos os automóveis eram de propriedade do estado e os pauzinhos de comer – os talheres orientais – não eram descartáveis. Hoje, são jogados no lixo, só em Pequim, 10 milhões de pares de pauzinhos descartáveis, junto com 10 milhões de embalagens.

As bicicletas, então, eram o principal meio de transporte de muita gente. E todas eram iguaizinhas, pretas, com bagageiro atrás e cestinha na frente. Em 1979, o jornalista jundiaiense Jayme Martins, que trabalhava no Departamento de Português Rádio Pequim, comentou que havia uma vaga na rádio e que, se me interessasse, podia indicar-me para ela.

O salário não passava do equivalente a uns 150 dólares, enquanto aqui ganhávamos perto de 3 mil. Eu teria direito a comprar uma daquelas bicicletas e a uma temporada de duas semanas na colônia de férias do sindicato dos radialistas, uma vez por ano. E isso era tudo. Aqui, podíamos ter automóvel e escolher onde passar as férias. Não pude ir, mas as conversas com Jayme mostraram-me um pouco do que era viver na China – e é assim que o professor Karl Gerth a conhecia.

O que ele tem visto e previsto, no entanto, constrói um cenário bem desagradável, marcado pelo gradual desaparecimento da frugalidade, que dá lugar a índices de consumo elevadíssimos.

Hoje, a China já é o maior produtor mundial de automóveis (13 milhões por ano) e de dezenas de outros bens de consumo; a cada alteração na renda da população chinesa, altera-se o consumo mundial de proteínas de todo tipo (carne, leite, aves). Ou seja: quando a China se mexe, o mundo inteiro se mexe, tal como afirma o título do livro.

Mas as mudanças continuam acontecendo: já existem chineses ligados na cultura pop, adorando comprar carros, indo aos salões de beleza. Ao mesmo tempo, a indústria inunda o mundo com imitações de todo o tipo e notícias de operações criminosas feitas por cidadãos chineses já começaram a aparecer. Entre elas, as de prostituição, venda de órgãos e de bebês para adoção. Sem falar na existência de mercados sem legislação ou regulamentação, como o da madeira e de animais em extinção.

A contaminação da cultura chinesa pelos valores ocidentais e a simultânea corrosão dos seus próprios valores está permitindo também o surgimento de fenômenos como pirataria de bens intelectuais, poluição extrema e aquilo que ele chama de ressentimentos sociais – ou seja, manifestações coletivas ou isoladas de pessoas que estão incomodadas com essas mudanças. Afinal, milhões de chineses saíram da pobreza, mas outros milhões continuam nela.

Quem não se incomoda mesmo são as indústrias dos outros países, ávidas por vender cada vez mais ao mercado chinês e interessadas em sua expansão – pelas estimativas, o país tem hoje 1,34 bilhão de habitantes e sua economia não dá grandes sinais de desaceleração.

Governos do mundo inteiro discutem, entre si e com a própria China, a questão cambial, que permite a ela inundar os mercados com produtos de preço muito baixo. Graças a essa política, no entanto, a China continua mantendo o emprego dos seus cidadãos, permitindo que consumam, poupem e, quem sabe, enriqueçam. Pouco a pouco, está também caminhando na direção de um estilo de vida, se não americano, ao menos ocidentalizado.

Se 30 anos atrás a sociedade chinesa era considerada a mais igualitária (ou comunista) do planeta, hoje é bem diferente: existem nada menos do que 150 milhões de chineses considerados ricos (o número pode subir a 430 milhões, conforme o estudo considerado). É gente que viaja, esquia, compra automóveis caros e roupas de grife, e consome tudo isso pagando com cartões de crédito.

Um dos mais fortes sinais de que a mentalidade da população mudou está no território da habitação: antigamente, cada família morava num pequeno apartamento oferecido pela indústria para quem o chefe da família trabalhava. Agora, a maioria dos trabalhadores quer ter casa própria. Sinal dos tempos: o emprego não é mais vitalício e, portanto, a moradia também não pode ser.

FONTE: Diário do Comércio















Nenhum comentário:

Postar um comentário