Geólogo João Carlos Cavalcanti, que apresentou a mineração ao bilionário, conta ao site de VEJA por que está movendo um processo contra ele e afirma que não se surpreende com o fato de as empresas X não darem resultado.
Ana Clara Costa
J.C. Cavalcanti, ex-sócio de Eike Batista: "Não tenho nada contra ele.
Só quero que me pague" (Daniela Toviansky)
O geólogo baiano João Carlos Cavalcanti foi, por duas vezes, sócio de
Eike Batista. A primeira, no início dos anos 1990, quando tentaram
implantar um projeto de abastecimento de água mineral, que fracassou. A
segunda, e derradeira, ocorreu no início de 2000, quando montaram o
embrião da MMX. Eike prometeu investimentos que, de acordo com
Cavalcanti (mais conhecido por J.C.), não tinha a intenção de cumprir.
Por isso, o homem mais rico do Brasil carrega nas costas um processo de
22 milhões de reais movido pelo ex-sócio. “Não tenho nada contra ele. Só
quero que me pague”, diz o geólogo, cuja fortuna estimada pelo mercado
em mais de 2 bilhões de reais foi conseguida graças a sua habilidade em
encontrar jazidas de minério Brasil afora.
Apesar de antagonistas, ambos guardam semelhanças: o misticismo, o
gosto pela aventura, um relacionamento estreito com o PT e o apreço pelo
luxo – tanto Eike quanto J.C. ostentam mansões, jatinhos e Ferraris. “A
diferença é que eu cumpro o que prometo. O Eike não cumpre nada”, diz o
empresário. O faro para os negócios também os une. J.C. criou e vendeu
diversas empresas ligadas à mineração, como a Bahia Mineração, a Sul
Americana de Metais e a GME4. Foi sócio de Daniel Dantas nesta última e o
considera um empresário “que cumpre o que promete”. Além disso, detém
participação no grupo Votorantim – empresa que considera a mais séria do
país.
Recentemente, em mais uma de suas mirabolantes descobertas, desvendou
uma jazida de neodímio na Bahia – que é um dos 17 elementos que compõem
o grupo de minerais chamado terras raras, utilizadas na fabricação de
aparelhos de alta tecnologia. A descoberta é a primeira do Brasil e,
segundo J.C., o território guarda a mesma capacidade de exploração que a
região de Batou, na China – atualmente o local onde estão 97% das
terras raras do mundo. A capacidade total da jazida pode chegar a 28
milhões de toneladas, na avaliação do geólogo. Se o potencial se
concretizar, ele calcula que o valor da reserva pode chegar a 8,4
bilhões de dólares – um patrimônio digno de um bilionário da Forbes.
“Mas a Forbes já não me interessa”, diz.
Durante a entrevista, concedida na noite desta quinta-feira,
Cavalcanti comparou Eike a "um meninão" que precisa botar a culpa em
alguém sempre que um negócio seu não vai bem. "O Paulo Mendonça será a
bola da vez, sobretudo depois dessa queda nos preços das ações.
Aconteceu algo parecido com o Rodolfo Landim. Ele o contrariou, quis
aparecer mais que o Eike, começou a falar demais e foi detonado. Já o
Paulo, até pouco tempo atrás, era chamado pelo Eike de Mr. Oil. Não
creio que continue assim", disparou. Naquela mesma hora, o conselho de
administração da OGX enviava fato relevante ao mercado para comunicar a
derrocada de Mendonça, que até então presidia a petroleira.
Como o senhor conheceu Eike Batista? Conheci o Eike
há muito tempo, com ele me dando um cheque pré-datado. Estava
desenvolvendo uma pesquisa na região amazônica para a Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e ele estava envolvido com a
exploração de ouro por lá. Quando ele quebrou, quis entrar no segmento
de abastecimento público de cidades e criou a empresa Água Certa. A
intenção do Eike era criar uma rede de abastecimento de água mineral.
Como eu já tinha trabalhado com isso na Brahma, antes da compra da
Antarctica, ele me convidou para montarmos esse projeto juntos. A ideia
era criar campos de abastecimento de água mineral em todo o Brasil. E eu
descobri para ele onde estavam as jazidas de água.
Por que o projeto não deu certo? A parte de
licitações se mostrou mais complicada do que esperávamos. Além disso, as
estatais de saneamento não queriam abrir espaço para essa iniciativa e
ele acabou se desfazendo do negócio.
Quando vocês se desentenderam? Em 2002, descobri uma
jazida de minério de ferro em Caetité, na Bahia. O Eike ficou sabendo e
me procurou. Para explorar essa área, montamos em sociedade a IRX, que
veio a ser o embrião da MMX. Ele detinha 80% do negócio e eu, 20%. Nosso
plano previa um alto investimento em pesquisa antes de começar a
explorar, mas ele não cumpriu isso. Como era majoritário, tinha de
investir algo em torno de 10 milhões de dólares. Mas como o Eike não
coloca dinheiro próprio em coisa nenhuma, ficou me enrolando, até que em
2005 o Ministério de Minas e Energia (MME) acabou retirando a licença
de pesquisa das terras. Perdemos a jazida. Se ele tivesse cumprido o que
prometeu, a exploração teria me rendido cerca de 200 milhões de
dólares.
Se o objetivo de Eike era ter uma mineradora, por que optou por não explorá-la?
Ele usou argumentos furados, como, por exemplo, de que não havia
infraestrutura para escoar o minério. Ora, quando Carajás foi
descoberta, também não havia uma logística adequada. No entanto, quando
seu potencial foi conhecido, o governo militar construiu a ferrovia
Norte-Sul para viabilizar o projeto. Ninguém investe em infraestrutura
antes de conhecer o potencial do minério. Tanto que, no caso da MMX,
também não havia logística. Eles estão construindo. Mas até agora, não
saiu de lá nem um quilo de minério.
O senhor acompanhou o início da OGX? Sim. Acompanhei
desde o início, pois foi na mesma época em que eu ficava muito no
escritório dele. Ele pegou relatórios do governo federal, de estatais,
como a CPRM, reorganizou-os, mudou a capa, traduziu e foi para o Canadá
apresentá-los a fundos de pensão. Com base naquilo, conseguiu levantar
500 milhões de dólares e voltou ao Brasil para participar dos leilões da
Agência Nacional de Petróleo (ANP). Com esse dinheiro, ele conseguiu
arrematar as jazidas marginais da Petrobras.
Aquilo que a ANP colocou em leilão não era bom. Não eram as melhores
jazidas. Mas ele soube valorizar isso. Trouxe os melhores executivos da
Petrobras, a começar pelo Rodolfo Landim, que entendia tudo de
perfuração. Vi muitos grandes nomes passarem por lá. Quando ficava
sabendo que um profissional estava se destacando no mercado, Eike
mandava trazer para a OGX pagando muito bem. Por outro lado, quando o
cara não dava o resultado que ele esperava, ele humilhava, colocava
apelido, e tudo mais. Parece um meninão.
O senhor acredita que seja possível extrair os tais 5 mil barris/dia dos poços da OGX, conforme a última previsão da empresa?
É possível que sim. Nenhum poço que veio da Petrobras deve render mais
que isso. Se a capacidade fosse de 40 mil barris/dia, como ele disse no
início, por que a Petrobras iria se desfazer? Não faz sentido. O Eike
nunca mexeu com isso antes, não sabe como funciona e pegou jazida com
pouca capacidade. Agora ele solta fato relevante para informar cada
cheiro de gás que ele sente nos poços.
Por que nenhum investidor contestou os dados dos projetos do Eike, como essa capacidade de 40 mil barris/dia, por exemplo?
Isso é porque ele é o queridinho do investidor estrangeiro. Ele tem
cara de alemão, fala cinco línguas e é muito cativante. E tem um paizão,
que é o senhor Eliezer Batista. Esse sim é um grande homem, um
superdotado. Além disso, o Eike é um baita marqueteiro que vendia
enciclopédia na Alemanha. E um cara que consegue vender enciclopédia,
vende qualquer coisa. Não dá para negar que é muito esperto e consegue
conquistar o investidor, o governo, todo mundo. Ele arrematou o terno do
Lula em um leilão em São Paulo e, no dia seguinte, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou 150 milhões de reais
para que reformasse o Hotel Glória. Ele consegue o que quer.
Mas, teoricamente, quem entende do mercado de óleo e gás não
deveria saber dos riscos de uma empreitada como essa? Como ninguém
desconfiou da capacidade de um poço descartado pela Petrobras?
Pois é, deveria. O problema é que os banqueiros e o mercado financeiro
não entendem de petróleo. Não há geólogos trabalhando como analistas,
nem engenheiros de minas. Há economistas que não entendem nada desse
setor e não acertam nada. Eles entendem de números, indicadores, mas não
sabem como as coisas funcionam realmente.
O senhor tem raiva do Eike? Não, não tenho nada contra ele. Só quero que me pague os 22 milhões de reais que me deve.
Acredita que ele vai recuperar a credibilidade junto ao investidor?
Não sei. Acho difícil. A única coisa que ele produz realmente hoje é um
macarrão muito bom no Mister Lam, um restaurante chinês que ele abriu,
onde também há um camarão maravilhoso. Encontrei-o lá há um ou dois
anos, antes de entrar com a ação na Justiça. Conversamos e ele me disse
que ia ultrapassar o Bill Gates. Mas não vai. Acho que o universo vai
começar a dar o troco nele. Ele precisa ser mais simples, menos
arrogante, prometer menos, ajudar mais. Tanto o Bill Gates quanto o
Carlos Slim, o Lakshmi Mittal e o Warren Buffett são homens simples, que
dedicam um bom tempo e dinheiro à filantropia. O que o Eike faz? Que
hospital ele construiu? O que retribuiu para a sociedade?
O senhor também foi sócio de outro executivo conhecido,
Daniel Dantas, do Banco Opportunity. Ele e Eike Batista possuem traços
em comum? Não há comparação. O Daniel Dantas cumpre tudo o que
promete. Em todos os negócios que fiz com ele, sempre cumpriu. É um
sujeito discreto, reservado e inteligentíssimo. É um dos maiores
criadores de gado do país e vai começar a produzir minério em 2014,
explorando jazidas no Piauí.
Fonte: Veja.com / Data:01/07/2012
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