Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas
"Meu pai está aplaudindo, no céu, a redução dos juros"
O mineiro Josué Gomes da Silva, 48 anos, é um empresário de fala mansa e com um timbre de voz incrivelmente parecido com o de seu pai, o ex-vice-presidente da República José Alencar, falecido no ano passado.
Por Luís Artur NOGUEIRA
No comando da Coteminas, um dos
gigantes mundiais do setor têxtil, Gomes da Silva tem trânsito fácil em
Brasília e, seguindo o legado paterno, é hoje umas das vozes mais
atuantes do empresariado brasileiro. “É legítimo e imprescindível que o
governo brasileiro adote medidas para conter a valorização do câmbio,
gerada por esse tsunami monetário”, diz o empresário, que é um dos
conselheiros do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(Iedi). Tenista nas horas vagas e torcedor fanático do Atlético Mineiro,
o empresário conversou com a DINHEIRO, no escritório central da
Coteminas, em São Paulo. “O Brasil está rompendo com uma cultura que se
formou segundo a qual o País tinha de ter um regime de juros
estratosféricos”, afirmou.
DINHEIRO – O Iedi tem lutado, há anos, pela criação de fontes
alternativas de financiamento de longo prazo. O BNDES está
sobrecarregado? JOSUÉ GOMES DA SILVA –
Sim. É lógico que o papel do BNDES é imprescindível para a economia
brasileira. Porém, por mais competente que ele seja, é preciso que nós
desenvolvamos outros instrumentos de crédito. O BNDES não pode nem
deseja ser o único responsável pelo financiamento de longo prazo no
País.
DINHEIRO – Como fazer isso?
GOMES DA SILVA – Sem poupança de longo prazo não
há crédito de longo prazo. Por isso, enquanto a Selic continuava pagando
rendimento elevado no overnight, seria impossível convencer alguém a
poupar no longo prazo. Com a queda dos juros, esse quadro muda. Além
disso, é importante haver um mercado secundário com ampla liquidez para
esses títulos, e oferecer benefícios tributários para quem aplicar o
dinheiro por mais tempo.
DINHEIRO – Os juros baixos no Brasil vieram para ficar?
GOMES DA SILVA – Sim. A presidenta Dilma soube
aproveitar a oportunidade gerada pela crise para reduzir os juros. E o
Banco Central, que foi criticado pelo mercado em meados do ano passado,
hoje é elogiado por ter se antecipado a um quadro de piora do cenário
internacional. É importante salientar, no entanto, que a Selic ainda é
elevada, se compararmos com as taxas reais negativas de vários países.
Não estou dizendo que tem de baixar mais, mas apenas que os títulos
públicos brasileiros oferecem ampla segurança aos investidores, o que
permite pagar taxas menores.
DINHEIRO – O seu pai, José Alencar, tinha exatamente a bandeira dos juros...
GOMES DA SILVA – Papai tinha a real noção de que o
Estado pertence a cada um dos brasileiros. Nesse contexto, ele não se
conformava com gastos absolutamente desnecessários que o Estado tinha
com o pagamento do serviço da dívida pública. Ele ficava triste e
indignado. Então, não tenho dúvida de que meu pai está aplaudindo, no
céu, a redução dos juros. O Brasil está rompendo com uma cultura que se
formou, segundo a qual o País tinha de ter um regime de juros
estratosféricos.
DINHEIRO – Como o sr. avalia o discurso da presidenta na
Assembleia-Geral da ONU, contra o afrouxamento monetário dos países
ricos?
GOMES DA SILVA – O que a presidenta Dilma falou na
ONU é a mais pura verdade. É óbvio que a emissão de moeda traz
consequências para os países emergentes. Portanto, é absolutamente
legítimo e imprescindível que o governo brasileiro adote medidas para
conter a valorização do câmbio, gerada por esse tsunami monetário. É
preciso proteger a indústria. Falar em comércio livre sem que as
condições isonômicas de competição existam, na verdade, não é falar em
comércio livre. No boxe, por exemplo, você não coloca um lutador
peso-pena contra um peso-pesado. O mesmo raciocínio vale em relação à
concorrência da China.
DINHEIRO – A indústria brasileira é realmente competitiva?
GOMES DA SILVA – Posso assegurar que, no caso da
indústria têxtil e de outros setores, a nossa produtividade e a nossa
qualidade são elevadíssimas, dentro dos muros das fábricas, e podem ser
comparadas com as de qualquer país. Nós perdemos competitividade por
fatores externos às empresas, como por exemplo a falta de infraestrutura
e a taxa de juros ainda elevada.
DINHEIRO – Mas o governo tem adotado várias medidas favoráveis à indústria...
GOMES DA SILVA – Com certeza são medidas
necessárias para sermos competitivos no cenário internacional. Cito a
redução dos juros, o novo patamar cambial, a desoneração da folha de
pagamento, a depreciação acelerada de bens de capital, a redução do
custo da energia e as concessões rodoviárias e ferroviárias, que
diminuirão os custos de infraestrutura.
Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento no governo Lula
DINHEIRO – Ainda assim, o sr. acha correto o governo adotar medidas protecionistas?
GOMES DA SILVA – É imprescindível que, durante
esse período de transição, enquanto as medidas econômicas não surtem
efeito, o governo tome medidas para proteger a indústria nacional. Ainda
mais neste momento em que os países desenvolvidos estão liquidando os
seus produtos a qualquer preço. O setor têxtil, inclusive, já encaminhou
um pedido de salvaguardas para as confecções, o que faz parte das
regras da OMC. Posso dizer que, nesse caso, a sinalização do ministro
Guido Mantega foi positiva.
DINHEIRO – Com tantas medidas de estímulo, a retomada dos investimentos está agora nas mãos dos empresários, certo?
GOMES DA SILVA – Não é bem assim. Não se
reconstrói a competitividade de um país em tão pouco tempo. O governo
está atento e sabe que precisa fazer ainda mais. Agora, o empresário
obviamente investe quando há perspectiva de que o mercado vá absorver
aquele aumento de produção. Por isso, o governo não deixa o mercado
interno encolher. A produção é puxada pela demanda. Se houver demanda, o
empresariado continuará investindo. O empresário brasileiro acredita e
sempre acreditou no Brasil. Não há desânimo no setor empresarial. O que
há é uma análise da realidade como ela é.
DINHEIRO – Por que o governo sempre prioriza a indústria automobilística na hora de estimular a demanda?
GOMES DA SILVA – Sou a favor de medidas
horizontais, ou seja, que valem para todos, porque são sempre as mais
eficazes, como juros, câmbio e energia. Mas, em determinados momentos, é
preciso estimular alguns setores que têm efeito multiplicador na
economia. O objetivo é evitar um ciclo negativo de redução de produção,
emprego e massa salarial, que seria ruim para todos os setores. É óbvio
que o governo tem de ter cuidado para não criar distorções. Quando você
incentiva mais o setor A, há um deslocamento da renda para lá, o que
acaba diminuindo, num primeiro momento, o potencial de compra de
produtos dos outros setores. Sou a favor de incentivos verticais, ou
seja, medidas específicas, para setores nascentes, como aconteceu com a
Embraer no passado.
DINHEIRO – A propósito, o governo anterior foi criticado
por utilizar o BNDES na escolha de empresas campeãs nacionais, como no
caso da JBS. Isso é correto?
GOMES DA SILVA – Isso é algo mais polêmico. É
muito importante que o País tenha grandes grupos nacionais, fortes e
competitivos globalmente. Porém, esses grupos têm de ser formados graças
à capacidade de gestão de cada um deles e não fruto da escolha do
Estado. O Estado precisa tomar mais cuidado porque ele pode escolher
errado. Ele precisa apoiar aqueles que estão ganhando. Cito como
exemplos de sucesso empresas como Gerdau, Embraer, Natura, Vale,
Coteminas, Petrobras, Ambev, WEG e BR Foods, e nenhuma delas foi
necessariamente escolhida pelo Estado para ser campeã. Ele tem que
apoiar, não tem de eleger. A escolha não é própria de um Estado
democrático, não acho correto fazer isso. Quero deixar claro que eu acho
que o atual governo da presidenta Dilma não está fazendo esse tipo de
escolha.
José Alencar, ex-vice-presidente da República
DINHEIRO – Uma reportagem recente da revista DINHEIRO
mostrou que a educação ainda vai muito mal no Brasil. O que pode ser
feito?
GOMES DA SILVA – É preciso valorizar muito o
professor por meio da meritocracia. Sem isso, é impossível ter educação
de qualidade. A valorização deve ser feita a partir de avaliações que
mostrem a capacidade do professor de ensinar os alunos. Já existem
experiências bem sucedidas no Brasil e devemos disseminá-las. Devemos
também usar a revolução tecnológica na melhoria da educação. Para
recuperar o tempo perdido, os alunos precisam estudar uma maior
quantidade de horas, na sala de aula ou via internet. E tudo isso tem de
começar pelo ensino básico, focando na língua portuguesa e na
matemática. Uma casa não pode ser iniciada pelo telhado, mas sim pelo
alicerce. Sem o básico da língua portuguesa, o aluno não consegue ler
nem compreender as demais matérias. E a gente não forma um engenheiro
sem um conhecimento mínimo de matemática.
DINHEIRO – Que avaliação o sr. faz do julgamento do mensalão?
GOMES DA SILVA – Qualquer que seja o resultado, o
episódio do mensalão está ajudando o Brasil a se firmar cada vez mais
aos olhos do mundo como um país que é um Estado democrático de direito e
cujas instituições funcionam.
DINHEIRO – O sr. poderia nos falar de uma lição do José Alencar político e outra do José Alencar empresário?
GOMES DA SILVA – A lição é a mesma para os dois
casos. Papai a recebeu do meu avô, quando saiu de casa, aos 14 anos,
para trabalhar. O importante na vida é ter um comportamento digno, seja
na pública ou privada, de tal maneira que você possa sempre ser recebido
com orgulho, carinho e respeito nos lugares por onde passou.
DINHEIRO – O sr. admite a possibilidade de ingressar na política ou ficou algum trauma da experiência do seu pai?
GOMES DA SILVA – Não há atividade mais nobre que a
política. Em todas os segmentos, inclusive no empresarial, há coisas
boas e ruins. Se algum dia eu tiver condições de prestar algum serviço
na política, o farei com orgulho e honra.
DINHEIRO – O sr. aceitaria um convite para ser ministro,
assim como aconteceu com o empresário Luiz Fernando Furlan, no governo
Lula?
GOMES DA SILVA – Não sei se eu tenho as
qualificações do Furlan, que desempenhou um papel espetacular para o
Brasil. Mas não descarto um convite para ser ministro.
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