terça-feira, 8 de novembro de 2011

Agreste Sente o Baque e Venda Cai - Santa Cruz do Capibaribe (PE)







Moda Center Santa Cruz, em Pernambuco, reúne mais de 10 mil lojistas: os compradores - sacoleiros, basicamente - dizem que os clientes estão endividados
O Moda Center Santa Cruz parece um shopping. Abriga milhares de lojistas, tem praça de alimentação, estacionamento amplo, imenso logotipo acima da porta principal e muitos seguranças carregando rádios comunicadores. O Moda Center Santa Cruz também parece uma feira de rua. Abre às 4 horas da manhã e é cheio de garotos empurrando carrinhos de mão, em busca de um frete remunerado.
Apesar do perfil indefinido, é tratado como o maior shopping atacadista de confecções do Brasil. Fica no município de Santa Cruz do Capibaribe, um dos mais importantes do polo de confecções do Agreste de Pernambuco, envolvido recentemente no escândalo de importação de lixo hospitalar americano. Ainda digerindo o baque causado pelo episódio, os mais de 10 mil comerciantes-sócios do Moda Center estão prestes a fechar o primeiro ano de queda nas vendas.
O shopping abriu as portas há exatos cinco anos, a partir da reunião, em um só ambiente, de boa parte dos vendedores de confecções da cidade. Até então, eles ocupavam mais de 30 ruas na tradicional feira de Santa Cruz do Capibaribe, que funcionava havia mais de quarenta anos. O terreno de 120 mil metros quadrados foi cedido pela prefeitura local e a uma construtora coube erguer estrutura, depois comercializada em pequenos lotes de 2 metros quadrados, na época ao preço de R$ 3 mil cada um. Atualmente, custam mais de R$ 15 mil.
Funcionando em sistema de condomínio, pelo qual os lojistas são proprietários de seus espaços, o Moda Center comporta atualmente 9.626 boxes, dos quais 90% estão em funcionamento. Há também 700 lojas, seis praças de alimentação e 3 mil leitos em dormitórios para os visitantes que vêm de longe. Artigos de grife não estão no foco do empreendimento, motivo pela qual não existem espaços voltados a este segmento. Assim, quem andar pelas alamedas atrás de uma loja da Hugo Boss, por exemplo, vai encontrar, no máximo, a Hugo Boy.
Nos cabides, prateleiras e manequins, quase tudo o que se pode imaginar em confecção: moda masculina, feminina e infantil, cama, mesa, banho, roupas para bebês, tamanhos grandes, bolsas e assessórios, moda praia, moda íntima, etc. Cerca de 70% de tudo que é vendido no shopping é produzido nas milhares de confecções espalhadas pelo Agreste pernambucano. O restante vem de São Paulo, Santa Catarina e, como não poderia deixar de ser, da China. Ironicamente, os asiáticos são grandes competidores no segmento de cuecas samba-canção.
Como a maior parte dos lojistas é também fabricante, o Moda Center funciona apenas aos domingos, segundas e terças-feiras, ficando os outros dias dedicados à produção das peças. Cerca de 80% das vendas são feitas no atacado a sacoleiros vindos de todo o Brasil, especialmente das regiões Norte e Nordeste. Os visitantes mais frequentes vêm de Estados como Bahia, Paraíba, Maranhão, Pará e Amazonas. São bastante assíduos os mineiros e capixabas. A direção estima que 30 mil pessoas passem semanalmente pelo local.
Elisângela de França viaja há sete anos de Pio XII (MA) para Santa Cruz do Capibaribe, em uma saga de 1.500 quilômetros. Em 2011, as visitas, que eram quinzenais, passaram a ocorrer a cada 30 dias. O volume de compras também diminuiu consideravelmente. "Caíram muito as vendas na minha cidade. Minhas clientes lá dizem que não têm dinheiro", contou ela. O apetite menor dos visitantes foi citado por quase todos os lojistas ouvidos pelo Valor. Eles apontaram quedas de até 50% nas vendas em relação ao ano passado e já prevêem um Natal bem mais magro.
"Em outubro caiu muito, uns 50%. Mas não foi só aqui, caiu em todo canto. O povo está devendo muito", afirmou Mário Vieira, que vende bermudas a R$ 6 a unidade. Apesar do reajuste de 10% nos custos da matéria-prima, ele manteve o preço para não perder ainda mais clientes. Já Flávio Antonio da Silva, que comercializa vestidos, reduziu de R$ 15 para R$ 12 o preço da peça, mas também não adiantou. "O movimento continua bem mais fraco", queixa-se.
Os comerciantes garantem que o episódio do lixo hospitalar não afetou significativamente as vendas, que já estariam perdendo o fôlego antes do ocorrido. A importação de lixo hospitalar americano para Pernambuco está sendo investigada pela Polícia Federal, que abriu inquérito para apurar as operações realizadas pela empresa NA Intimidade, de Santa Cruz do Capibaribe. O dono da confecção, Altair Moura, poderá ser indiciado por crimes sanitários e ambientais. Qualquer decisão, no entanto, só deve sair após a conclusão da perícia nas amostras de tecido apreendidas, atualmente em análise no Instituto de Criminalística.
A causa mais citada pelos atacadistas para o recuo das vendas foi o endividamento da população. Também foi este o motivo pelo qual a sacoleira Niedja Campos Ferreira diminuiu a aquisição dos vestidos que revende no comércio popular do Recife. "Muitas clientes minhas simplesmente sumiram. As outras estão pechinchando demais, como nunca", reclamou.
Segundo Valmir Gomes, síndico do Moda Center, há uma choradeira exagerada por parte de seus condôminos. Ele reconhece, no entanto, que o Natal deste ano será pelo menos 10% mais fraco do que o de 2010. Na sua avaliação, as medidas do governo federal voltadas à contenção do consumo e os reajustes nos preços do algodão foram os principais fatores de desaquecimento das vendas, hoje em cerca de R$ 80 milhões por mês. Desde que abriu as portas, em 2006, o shopping vinha registrando crescimento de 15% a 20% no faturamento.
Os mais queixosos no Moda Center são os comerciantes instalados nas áreas mais ao fundo, construídas há dois anos durante o primeiro plano de expansão do shopping. A circulação por ali, já bastante inferior à verificada nos primeiros galpões, está ainda mais fraca este ano, ao ponto de a população de manequins superar a de humanos. De passagem pelo setor, onde há muitos boxes desativados, o vendedor de café e tapioca João Vieira manifestou sua decepção: "Caiu muito. A gente quer que melhore. Se melhorar é melhor, né?"

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