quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Invasão Chinesa Gera Desemprego na Indústria Têxtil

crise
Mascarenhas aposta em tecidos de alto valor agregado para enfrentar concorrência


O operador de máquina Juliano Felício, de 46 anos de idade, foi funcionário da tecelagem Romulo Franchini, em Diamantina, por duas décadas. Hoje, desempregado, engrossa a estatística dos trabalhadores do setor têxtil que veem as vagas no segmento secarem ano após ano. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho revelam que, no primeiro semestre de 2011, o saldo de empregos com carteira assinada do setor, no Brasil, foi de 17,2 mil postos, o que representa uma queda de 67% sobre o mesmo período de 2010.

Em Minas, houve 42.835 admissões na indústria têxtil em 2011. O problema é que as demissões ficaram quase no mesmo patamar: de janeiro a agosto, 40.879 trabalhadores foram dispensados. O saldo positivo de 1.956 postos de trabalho não se repete em todo o Estado. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, a diferença é negativa em 474 vagas. Entre os motivos para os cortes de pessoal está a queda da produção, devido à invasão de produtos chineses e ao dólar baixo, que deixa menos rentáveis as exportações.

“Fiquei 20 anos na fábrica e, agora, além de estar sem emprego, também perdi minha saúde. Sair da fábrica e não ter perspectiva alguma contribuiu para que eu tivesse um infarto”, lamenta Felício. Após permanecer durante cinco dias no CTI de um hospital, Juliano tenta sobreviver com o benefício que recebe do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois ainda não está em condições de voltar a procurar emprego.

A mulher e os dois filhos de Felício também eram funcionários da fábrica, que, a partir do segundo semestre de 2010, demitiu 100 dos 250 funcionários. Terezinha Silva Felício, de 49 anos, trabalhou na tecelagem de Diamantina durante 14 anos e conta que hoje sobrevive fazendo pequenos bicos, pelos quais recebe R$ 30. “Não temos outras indústrias na região e não consigo trabalho todos os dias. Quando consigo dou graças a Deus”, afirma.

O setor têxtil e de confecções do Brasil é o quinto maior do mundo, representa 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e é o segundo maior empregador da indústria de transformação nacional, só perdendo para as de alimentos e bebidas. Reune mais de 30 mil empresas que empregam 1,7 milhão de pessoas diretamente. No ano passado, o setor faturou US$ 52 bilhões, mas registrou um déficit de US$ 3,5 bilhões em sua balança comercial, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Todo esse poder de fogo não está sendo suficiente para fazer frente aos importados asiáticos. China, Índia e Indonésia são os principais exportadores de produtos têxteis para o Brasil. Com custo de produção muito menor, a pressão das importações oriundas desses países sobre o setor tem sido sentida ao longo de toda a cadeia produtiva, da indústria de tecidos até as confecções.

De janeiro a agosto deste ano, o setor têxtil e de confecção registrou déficit de US$ 3,06 bilhões na balança comercial. O saldo negativo cresceu 62,8%, excluindo-se a fibra de algodão, em comparação ao mesmo período do ano passado. As importações do setor cresceram 39,8% no período, somando US$ 4,42 bilhões. Os produtos chineses correspondem a 37% do total.

O vice-presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de Minas Gerais, Ronaldo Dornelas Assis Ribeiro, diz que está difícil sobreviver no setor. “Os empresários têxteis carregam 40% de carga tributária no custo final dos produtos. Não há competência que dê jeito nessa desvantagem”, diz.

Faturamento do setgor recua ante avanço de estrangeiros

A indústria têxtil no Brasil faturou US$ 55 bilhões em 2010. Minas Gerais respondeu por US$ 5,5 bilhões. Para este ano, ainda não há projeção de faturamento, que geralmente é definido pelas vendas nos últimos quatro meses do ano. Em 2010, as compras externas foram responsáveis por uma redução de US$ 1,53 bilhão no faturamento do segmento.

Um balanço divulgado pela Abit, no primeiro semestre do ano, também apontou queda de 0,3% na produção da indústria de vestuário e confecção e de 11,9% na produção do segmento têxtil, em análise feita entre janeiro e maio deste ano na comparação a igual período de 2010. Já o varejo cresceu 6,86%, o que indica, segundo a associação, que os produtos importados vêm crescendo nas prateleiras das lojas.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Tecelões de Belo Horizonte e Região, Carlos Roberto de Carvalho Malaquias, por causa da crise, o setor vem demitindo desde o ano passado “Se pensarmos que cada posto de trabalho na indústria têxtil gera quatro empregos indiretos, o número de demitidos devido às importações é bem maior do que mostram as estatísticas”, diz.

Assim como no restante do país, na fábrica de Diamantina, a perspectiva não é das melhores: dos 150 empregado que ainda mantiveram o posto, 50 estão em licença remunerada. “Caso os estoques da fábrica não entrem em um patamar aceitável, novas demissões podem voltar a acontecer”, revela o gerente industrial, Álvaro Palhares Diniz.

Fundada em 1959, a fábrica, então chamada Antonina Duarte, chegou a empregar cerca de 500 pessoas, segundo o historiador Wiliam Splanger. “Nos tempos áureos da tecelagem no Estado, a fábrica operava em três turno”, diz . O historiador avalia que a tecelagem tem importância econômica e social para Diamantina.
Indústrias de tecidos amargam com prejuízos

A crise motivada pela importação agressiva dos produtos chineses não deixa ninguém de fora e afeta toda a cadeia produtiva do setor têxtil. Grandes e pequenos empresários sofrem com o problema.

Na Coteminas, que tem 22 fábricas e responde por cerca de 20% do consumo nacional de algodão, produzindo fios, tecidos, produtos têxteis de cama, mesa e banho, uniformes profissionais, brins e jeans, a queda no faturamento fez com que a empresa apresentasse, no segundo trimestre deste ano, um prejuízo de R$ 151,2 milhões. No mesmo período de 2010, a companhia havia registrado lucro de R$ 8,4 milhões.

Na comparação trimestral, a receita líquida caiu 21,4%, enquanto que o prejuízo financeiro subiu de R$ 1,2 milhão para R$ 46,3 milhões. Apesar do resultado ruim, não houve demissões nas unidades da empresa.

Segundo o vice-presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de Minas Gerais, Ronaldo Dornelas Assis Ribeiro,que também dirige a Coteminas, a situação em outros estados é pior. “Em Santa Catarina, muitas estão fechando as portas”, afirma.

Na centenária Buettner de Santa Catarina, desde o ano passado, os salários dos empregados estão sendo parcelados. A empresa tem cinco anos de atraso de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que também está sendo pago em parcelas. Desde o fim de 2010, a fábrica opera com 60% da capacidade de produção.

Na Indústria Têxtil Franco Matos, localizada em Pedro Leopoldo, Região Metropolitana de Belo Horizonte, a situação também não é animadora. A empresa demitiu no mês de junho 190 funcionários da área de produção. A queda nas vendas e a supervalorização do algodão foram os motivos alegados para as demissões.

Segundo o presidente do Sindicato dos Tecelões de Belo Horizonte e Região, Carlos Roberto de Carvalho Malaquias, a Franco Matos iniciou suas atividades no município em 2008 com a promessa de gerar cerca de mil empregos após o início das atividades. “A empresa deve ter hoje cerca de 300 funcionários, mas, segundo informações dos próprios empregados, até o final do ano esse número pode ser reduzido a 60”, revela.

O sindicalista afirma que, a partir de 2005, os postos de trabalho na indústria têxtil em Minas Gerais foram sendo minados pouco a pouco. Em cinco anos, 35 % das vagas do setor foram fechadas. “Chegamos a ter 15 mil trabalhadores na indústria têxtil e de confecções. Hoje, esse número não passa de 7.800”, diz.

Para garantir a manutenção dos postos de emprego para o trabalhador da indústria têxtil, Malaquias defende uma política de mais incentivos para o setor e de mais fiscalização com o objetivo de evitar a concorrência desleal dos importados. “Nós não somos contra os produto importados, nós brigamos é contra a ilegalidade”, afirma.
China mantém 27 subsídios ilegais à área têxtil
Um estudo ainda inédito, encomendado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) em parceria com entidades que representam os setores têxteis do México e dos Estados Unidos, revela que o governo da China mantém 27 subsídios à produção de tecelagens e confecções do país considerados ilegais pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Em alguns casos, os subsídios chegam a baratear em até 35% os produtos que são comprados do gigante asiático. O relatório do levantamento ainda não tem data para ser divulgado pela associação.

Na avaliação do presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis de Malhas (Sindimalhas-MG), Flávio Roscoe, a reivindicação do setor não é por medidas que visem à suspensão de importações ou à sobretaxação de produtos que desrespeitem as orientações da OMC.


De acordo com Roscoe, o que os industriais pedem é a adoção de políticas que garantam condições de igualdade entre os produtos nacionais e os estrangeiros. “Queremos um combate mais eficaz, por parte do governo, ao contrabando e às operações de triangulação que, sabemos, estão mais fortes do que nunca”. O empresário explica que, nestas operações, produtos de um determinado país passam por outro, ao qual o Brasil aplica tarifas menores de importação, antes de chegar ao consumidor final.

Roscoe também defende que o Governo federal adote uma política de incentivo mais eficaz para o setor do que a que foi lançada em agosto pela presidente Dilma Rousseff no plano Brasil Maior, na qual foi desonerada a folha de pagamento do segmento, mas criada uma taxa de 1,5% do faturamento como compensação para a eventual perda de arrecadação.


“Para valer a pena, uma empresa deve gastar mais de 15% do faturamento com pessoal (salários e encargos). Isso não faz parte da realidade do nosso setor. O governo desonerou a folha, mas inventou outro imposto para não perder receita”, afirma. Segundo ele, para que a medida tivesse impacto favorável, o governo deveria desonerar a folha e estipular uma taxa de, no máximo, 0,5% do faturamento.

O empresário Carlos Ferreira Mascarenhas, diretor da Tecelagem Alexandre Mascarenhas, localizada em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, revela que, para conseguir sobreviver diante de tanta turbulência, é preciso fazer caixa para investir em renovação e tecnologia.

“Se não nos modernizamos, somos presa fácil de um mercado que não nos favorece”, constata o proprietário da fábrica, que foi a primeira a ser instalada no Distrito Industrial de Contagem, em 1944.

Mascarenhas também revela que outra alternativa para se manter competitivo no mercado é produzir tecidos que tenham alto valor agregado. “O tecido chinês é mais barato, mas nós podemos fazer um produto diferenciado”, afirma

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