domingo, 19 de junho de 2011

Moda Brasileira Quer Brilhar Além das Passarelas

Grifes brasileiras voltam a ser assediadas pelos investidores; processo de profissionalização, marcado por turbulências nos últimos anos, persistirá
Marcas brasileiras voltaram a ser assediadas por empresas e fundos de investimento
Já dizia a consultora de moda Glória Kalil: “a moda brasileira brilha, mas não vende”. Por muito tempo, especialistas em gestão de moda reclamaram que o burburinho provocado pelos dois principais eventos do setor no país – o São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio – era desproporcional ao volume de negócios que geravam. Nos últimos quatro anos, contudo, o segmento começou a se mostrar como uma possibilidade interessante de investimento. O melhor retrato disso foi a grande movimentação de aquisição de grifes, sobretudo em 2008, que marcou o início do processo de formação de grupos empresariais de moda (veja quadro). Essa tendência – que teve altos e baixos no período – não sofreu reversão e deve se intensificar. Consultores com bom trânsito no setor informam que marcas como Animale e Victor Hugo têm sido assediadas por empresas e fundos de investimento nacionais e estrangeiros. Já a Malwee, grande malharia do sul do país, avalia a possibilidade de lançar ações na bolsa, relatam fontes do site de VEJA. A empresa nega.
Este movimento de profissionalização tem sua lógica. O aumento das taxas de emprego e renda, associado à ascensão da classe média, torna tudo o que é ligado a consumo no Brasil naturalmente atrativo. Soma-se a isso o fato de que as pessoas querem, cada vez mais, adquirir produtos que ‘costuram’ qualidade, beleza e glamour. Pesquisa do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) aponta, por exemplo, que só o varejo de vestuário movimentará 146 bilhões de reais neste ano, um crescimento de 60% ante 2007. Do ponto de vista das grifes, a associação com uma companhia capitalizada também é uma saída natural. Essas marcas – que geralmente nascem do talento de um estilista ou de um grupo deles – começam a ter, à medida que crescem e ficam famosas, problemas de grande empresa. Como não são ‘experts’ em temas complexos, como distribuição, política de vendas e engenharia financeira, os estilistas passam a ver com bons olhos a possibilidade de entregar essa parte do negócio a quem é especialista no assunto, o que lhes garante recursos para expandir lojas, exportações, etc.
Os grandes nomes da moda no país
Conheça as empresas que estão por trás de famosas marcas brasileiras
InBrands
O empresário Nelson Alvarenga é fundador da Ellus e sócio da InBrands
Criada em 2008, a holding InBrands é fruto da associação entre a gestora de recursos Vinci Partners, do banqueiro Gilberto Sayão, e a Ellus, do empresário Nelson Alvarenga. A expectativa na época, segundo consultores ligados à empresa, era adquirir novas marcas e assim faturar 1 bilhão de reais neste ano. Os planos, no entanto, não se concretizaram. A InBrands faturou 530 milhões de reais no ano passado e a previsão revista para 2011 é de 800 milhões de reais.

A avaliação dos especialistas é que, no início das operações, a holding comprou grifes com imagem sólida, voltadas ao público AB, mas não necessariamente com estrutura comercial organizada e volume de vendas adequado a seus objetivos. “No começo, a InBrands não comprou marcas, mas sim promessas”, afirma o consultor em gestão de moda Silvio Chadad. Além da Ellus, a Inbrands adquiriu em 2008 as grifes Isabela Capeto e Alexandre Herchcovitch, além de uma participação na Luminosidade – organizadora do São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio.

Nos últimos anos, tornou-se evidente certo descompasso entre os objetivos do grupo e das marcas. “A InBrands precisa entender que essas marcas não são como a Hering, que tem capacidade de produção elevada”, explica o consultor Carlos Ferreirinha, especialista em mercado de luxo. As divergências internas teriam causado a saída, em maio, da estilista Isabela Capeto.

Há sinais, entretanto, de que a holding já começou a fazer escolhas acertadas. Em 2010, a InBrands anunciou a associação com a Cia das Marcas, que é dona da Richards e da Salinas, ambas grifes muito bem estruturadas. Em fevereiro, fechou parceria com a BR Labels e adquiriu 100% do capital da VR Menswear e Vr Kids. No mês passado, formalizou junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a intenção de abrir capital.

Portfólio de marcas
Ellus
2nd Floor
Alexandre Herchcovitch
Cia das Marcas (dona da Richards, da Salinas e da Bintang)
BR Labels (dona da VR Menswear, VR Kids e Mandi)
Luminosidade (organizadora do SPFW e do Rio Fashion)
Alexandre Menegotti preside a AMC Têxtil
Maior conglomerado de moda do Brasil, com faturamento de 800 milhões de reais em 2010, a AMC Têxtil nasceu em 1980 como malharia e atuou por duas décadas focada neste negócio. Dez anos atrás, a empresa passou por uma mudança radical. Inspirada por experiências de grandes grupos internacionais – como o francês LVMH, que é dono das grifes Louis Vuitton, Donna Karan e Fendi –, a malharia decidiu apostar em aquisições para se tornar a líder em gestão de marcas no país.

O primeiro alvo de compra foi a Colcci, em 2000, então atolada em dívidas. Com a reformulação da marca, o faturamento cresceu 300% após três anos. A empresa comprou ainda o direito de produzir no Brasil roupas e acessórios com a marca Coca-Cola Clothing em 2003. No ano seguinte, adquiriu a Sommer, que pertencia ao estilista Marcelo Sommer e ao empresário João Paulo Diniz. A última grande compra foi a do grupo TF, que engloba as marcas Forum, Forum Tufi Duek, Tufi Duek e Triton, em 2008, por 200 milhões de dólares. “Os objetivos da AMC são reduzir custos, ganhar escala e explorar ao máximo o potencial de suas marcas. As grifes do grupo seguem um mesmo padrão, uma mesma modelagem, a mesma cultura de inovação. São complementares”, avalia Marcelo Prado, do Instituto de Estudos e Marketing Industrial.

O grande trunfo da AMC, segundo o especialista, é estar presente em toda cadeia: do fio ao consumidor final. “Eles pertencem a um dos maiores grupos têxteis do Brasil e têm entendimento da produção, da logística, do marketing e do consumidor”, elogia Carlos Ferreirinha, especialista em mercado de luxo.

Apesar de claramente bem-sucedida em sua trajetória, a AMC também esbarrou em um problema comum dos conglomerados de moda: a convivência entre investidores e estilistas. Após desentender-se com a empresa, o estilista Marcelo Sommer foi dispensado um ano antes do fim do contrato, sem poder utilizar a marca que criou e vendeu ao grupo.
Em 2009, Tufi Duek também deixou a AMC, mas sem contratempos. Sua saída já era prevista em contrato e o estilista simplesmente optou por investir em outras áreas.

Portfólio de marcas
Colcci
Coca-Cola Clothing
Sommer
Carmelitas
Forum
Forum Tufi Duek
Tufi Duek
Triton
Giuliano Donini comanda os negócios da catarinense Marisol
Fundada há 47 anos, a catarinense Marisol é uma das maiores fabricantes de roupas do Brasil, com faturamento de 406 milhões de reais no ano passado. A empresa começou como malharia e, desde 1991, passou a investir em marcas próprias, como as infantis Lilica Ripilica e Tigor T. Tigre. Dez anos depois, criou um canal próprio de franquias e, em 2005, fez sua primeira aquisição. A escolhida foi a Pakalolo, marca que fez muito sucesso nos anos 80 e que foi relançada apenas 2009, depois de uma completa reformulação do público-alvo e da linha de produtos. Em 2006, a Marisol comprou 75% da prestigiada marca de moda praia Rosa Chá, do estilista Amir Slama, na época com 23 lojas no Brasil.

O reconhecimento por ter comandado a estratégia bem-sucedida de adquirir marcas reconhecidas alçou Giuliano Donini – filho do presidente e então diretor de marketing e desenvolvimento de produtos – ao comando da empresa em 2008. O cargo era disputado também por seu irmão mais velho, Giorgio, diretor industrial, e o executivo Jair Pasquali, responsável pela área de franquias.

À frente da Marisol, Giuliano recebeu a missão de transformá-la na maior gestora de marcas de moda do país. Os planos de novas aquisições, no entanto, atrasaram em função dos problemas que surgiram durante a restruturação da empresa. Em 2009, mais uma dor de cabeça. Desandou a relação com Amir Slama, que então decidiu vender os 25% que ainda detinha do capital da Rosa Chá, desfazendo a parceira. “Apesar de ser uma sociedade anônima, a Marisol ainda era uma empresa familiar”, critica o estilista. Entre 2009 e 2010, a Rosa Chá fechou 11 lojas.

Especialistas em gestão de moda questionam a estratégia da Marisol. “A AMC e a InBrands têm foco na compra das marcas. As grifes têm modelos de negócio semelhantes, têm sinergia. A Marisol não. É uma fábrica que tem um mix de produtos muito amplo. Isso tira a identidade da empresa e dificulta os ganhos de escala”, avalia Marcelo Prado, do Instituto de Estudos e Marketing Industrial. Na visão de Carlos Ferreirinha, especialista em mercado de luxo, faltou um ajuste de linguagem. “A Marisol é muito boa no que faz, mas não tem depuração clara do conceito de moda dos estilistas. Eles têm uma percepção diferente do que é o volume adequado e o público-alvo do que é uma Rosa Chá, por exemplo”, avalia.

Portfólio de marcas
Marisol
Babysol
Lilica Ripilica
Tigor T. Tigre
Pakalolo
Rosa Chá
O fato de ser uma aliança natural, no entanto, não quer dizer que seja fácil. Ao contrário, o processo de profissionalização em curso tem sido marcado por percalços. De 2008 para cá, mais estrondosos que os anúncios de acordos milionários no segmento foram os desentendimentos entre investidores e estilistas (confira a movimentação do setor). A I’m, por exemplo, que nasceu naquele ano como grande holding da moda e que tomou para si a condição de símbolo dos novos tempos, só durou até 2009. Segundo especialistas, o quadro turbulento é fruto da própria falta de amadurecimento do mercado. Por um lado, investidores deixaram-se levar, nos últimos anos, pela euforia e acabaram se associando com marcas com problemas sérios de gestão. Por outro, criadores assinaram os contratos sem ter muita noção do papel que deveriam desempenhar na nova fase da marca. A grande fonte de desentendimento, aliás, foi o fato de ambas as partes terem se associado sem absoluta clareza prévia de todos os detalhes do negócio.

No exterior, por outro lado, o primeiro conglomerado de moda bem-sucedido, o francês LVMH, dono da marca Louis Vuitton, formou-se ainda na década de 1980. “O setor está passando por um bom momento no Brasil, mas a maior parte das empresas, a despeito de sua visibilidade, enfrenta dificuldades de atrair capital. É que muitas delas são ainda bastante informais e não têm planos de negócios claros”, explica o consultor Carlos Ferreirinha, especialista em mercado de luxo. Isso evidencia que a tão esperada profissionalização ainda não chegou ao patamar esperado. “Os estilistas estão começando a ver só agora a importância de uma gestão comercial bem estruturada”, explica o consultor em gestão de marketing de moda Silvio Chadad. Em resumo, o Brasil ainda tem um processo de amadurecimento pela frente. Mas os especialistas são unânimes em aportar que esse processo é irreversível e deve se aprofundar. “O capital está aí. Só falta o mercado se profissionalizar”, resume o estilista Amir Slama.

Fonte:veja.abril.com.br|

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