Neste artigo de opinião, Mike Flanagan compara e contrasta as opções políticas na China e no Bangladesh e sugere que estas desempenham um papel fulcral para a diferença na vitalidade das empresas dos dois países exportadores de vestuário.
Duas histórias igualmente paradoxais do comércio de vestuário contribuíram mais para explicar o estado actual do sector do que qualquer outro acontecimento, segundo opina Mike Flanagan, CEO da Clothesource Sourcing Intelligence, uma consultora britânica especializada no sector do vestuário.
Enquanto os média ocidentais especulavam sobre a saída dos compradores de vestuário da China, porque os salários estavam a subir, as exportações chinesas de vestuário registaram uma alegada subida de 27% em termos anuais em Junho, elevando o crescimento no primeiro semestre para os 15,3%. Os preços do vestuário chinês para os EUA estavam efectivamente mais baixos em Maio (o último período para o qual existem dados suficientes) do que no início do ano.
Mas no Bangladesh, vimos a indústria de vestuário ser gravemente perturbada em Julho, à medida que as fábricas foram obrigadas a encerrar devido à generalização dos tumultos violentos. A revolta foi uma reacção por parte de alguns trabalhadores ao anúncio de que o salário mínimo mensal aumentaria 80% a partir de Novembro, passando dos 1.662 BDT (24 dólares) para os 3.000 BDT (43,50 dólares). E estes são, possivelmente, os primeiros distúrbios na história causados pela quase duplicação dos salários.
Grande parte da diferença entre a saúde das empresas de vestuário dos dois países é resultado das políticas dos seus governos.
Os salários mínimos na indústria de vestuário do Bangladesh são terríveis. O salário mínimo fixado em 2006 (com base nos custos de 2005) era pavoroso na altura e, apesar da acelerada inflação dos alimentos, nada foi feito para ajustar o salário desde então. Na China, pelo contrário, a política do governo exigiu reajustes salariais regulares.
No final de Abril, no decorrer do último surto de violência, o ministro do trabalho e dos recursos humanos do Bangladesh, Mosharraf Hossain, disse que uma nova tabela salarial de base para a indústria de vestuário seria “implementada antes do mês do Ramadão” (que este ano começou no dia 11 de Agosto). Poucos dias depois, a primeira-ministra do país, Sheikh Hasina Wazed, foi alegadamente mais longe, prometendo que o salário mínimo seria triplicado para os 5.000. BDT. Ela caracterizou, repetidas vezes, o salário mínimo como sendo “desumano”.Independentemente do que os governantes da China possam pensar dos salários base do país, eles mantiveram as suas opiniões para si mesmos, ou partilharam apenas com os outros decisores. Nenhum político chinês comprometeu-se com algo que não pudesse garantir.
Os proprietários de fábricas no Bangladesh deixaram claro que nem a triplicação dos salários, nem a aplicação universal em Agosto, eram possíveis sem o encerramento generalizado de empresas. Eles fabricam a preços contratados: a duplicação imediata ou a triplicação de qualquer custo significativo implicaria prejuízos e acabaria com as empresas pouco capitalizadas, muitas oscilando próximas da falência, que constituem a maioria da indústria de vestuário do país. O governo do Bangladesh não fez absolutamente nada para tornar concretizável a sua alegação irresponsável de uma triplicação do salário.
Na China, as alterações aos salários mínimos têm andado de forma consistente em conjunto com um anúncio, realizado com uma antecedência significativa e com a preparação dos bancos para alargarem o crédito.
Mas duas novas cartas entraram em jogo.
Em primeiro lugar, em 21 de Julho, um grupo de activistas políticos britânicos e norte-americanos patrocinou um anúncio (em bengali) na imprensa do Bangladesh, aconselhando os negociadores dos trabalhadores não se contentarem com “Nem uma taka menos de 5.000”.
Os activistas foram liderados pelo sindicato norte-americano United Steelworkers e pelo sindicato britânico Unite, nenhum dos quais com qualquer ligação séria ao sector do vestuário. Com ou sem razão, muitos
donos de fábricas no Bangladesh estão convencidos que a agitação dos trabalhadores está a ser incitada por agitadores estrangeiros.
Á partida pode-se pensar que os trabalhadores que ganham 24 dólares por mês não precisam da ajuda de agitadores estrangeiros para se irritarem com os seus salários. Mas será que algum dos estrangeiros que pagou esta propaganda achou que estava realmente a ajudar à situação?
Na prática, o anúncio acabou por fornecer as empresas do Bangladesh com mais evidência de que a campanha dos trabalhadores foi uma conspiração estrangeira para destruir a única indústria com sucesso no país. E isso nunca teria sido permitido na China.
Em segundo lugar, se os trabalhadores estavam irritados em Abril, estavam ainda mais irritados em Julho. Quando as negociações salariais começaram, a inflação no Bangladesh estava a começar a cair e a inflação nos produtos não alimentares ainda está a cair. Mas a inflação nos alimentos, o único indicador que interessa aos trabalhadores de vestuário com o salário mínimo, está em ascensão: os preços do arroz subiram entre 18% e 32% em Maio, de acordo com a Trading Corporation do Bangladesh.
Mesmo que o banco central do país concorde que «os ganhos com a inflação vão para os ricos, enquanto os problemas vão para a população de baixo rendimento», os preços dos alimentos básicos vão agravar-se.
Não é apenas o arroz, com a doença a atacar o trigo proveniente do Punjab na Índia, e a seca e os incêndios a destruírem um quinto da colheita de trigo da Rússia, o preço global da farinha de trigo está prestes a aumentar.
Na segunda parte deste artigo, Mike Flanagan revela qual seria, na sua opinião, a atitude da China numa situação semelhante.
As expectativas irrealistas
Depois do aumento nos preços dos alimentos em Maio, os passos seguidos no Bangladesh até ao final de Julho foram dolorosamente previsíveis. Os trabalhadores esperavam um aumento salarial imediato porque o governo disse que iam recebê-lo. As fábricas não o podiam pagar, mas quando foi feito o anúncio de um aumento salarial de 80%, os trabalhadores estavam mais irados do que há poucos meses antes. E os proprietários das fábricas tinham todas as evidências que precisavam de que a ira era resultado da interferência estrangeira.
Mas, o que faria a China nestas circunstâncias?
- Primeiro, certificar-se-ia se as empresas podiam pagar salários decentes. A maioria da propaganda activista gosta de fingir que as 5.000 fábricas de vestuário do Bangladesh são propriedade de imundos capitalistas, que poderiam facilmente pagar ordenados decentes.
Eles não são capitalistas. As fábricas são administradas por empresários apavorados, muitos a apenas um mau relatório de qualidade de distância do colapso, e quase todos financiam as suas operações com o que pouparam durante uma vida que começou como trabalhador de vestuário com o salário mínimo.
Eles pagam mal porque estão sufocados com as taxas de juro excessivamente elevadas sobre os escassos empréstimos que conseguem contrair nos bancos, pagando fontes de energia incertas, eternamente a necessitarem de expedir encomendas via aérea devido aos atrasos resultantes de greves e gastando o pouco que lhes sobra para subornarem funcionários na alfândega e assim conseguirem desalfandegar vestuário e matérias-primas em tempo útil.
Na China, o ambiente de trabalho mais favorável às empresas não é, ao contrário do que os activistas muitas vezes querem fazer crer, uma exploração constante dos trabalhadores. O ambiente empresarial favorável passa pelo acesso ao financiamento, a fontes de energia fiáveis e a funcionários aduaneiros mais ou menos honestos, eficientes e rápidos.
- Em segundo lugar, a China teria, brutalmente se necessário, evitado a intromissão de estrangeiros. Não se trata de defender esta posição, mas existe uma diferença abismal entre as acrobacias propagandeadas pelos sindicatos do aço e aviação por um lado e a negociação silenciosa, diligente e devidamente informada dos grupos de pressão nos bastidores com sindicatos de trabalhadores que compreendem o sector.
- Em terceiro lugar, o governo chinês não se teria metido nesta confusão. Ao impor legalmente aumentos salariais anuais, de acordo com o aumento do custo de vida, e incentivado o início de sindicatos nas empresas, as tensões entre os trabalhadores não teriam chegado ao estado em que hoje se encontram no Bangladesh.
- Em quarto lugar, a China teria interferido na economia. Encontrando formas de limitar o efeito da subida dos custos dos alimentos e forçando os bancos a assegurarem que as empresas tinham crédito acessível para sobreviverem durante um aumento dos custos.
- E quinto: não iria culpar os seus clientes. Os donos das fábricas no Bangladesh estão a dizer agora que só podem pagar o aumento salarial de 80% se os retalhistas ocidentais pagarem mais. Mas se os preços subirem no Bangladesh, por que razão qualquer comprador enfrentaria as dificuldades de operar no país? Os compradores responsáveis precisam dar alguma margem de manobra ao Bangladesh, mas eles não podem continuar a fazer isso indefinidamente, quando outros países, como a China, oferecem um serviço mais confiável.
Ser governo numa democracia indisciplinada como o Bangladesh não é fácil. Mas a economia deste país, mais do que qualquer outro país do mundo, está assente na sua capacidade de vender roupas para algumas dezenas de cadeias de retalho europeias e norte-americanas.
Existem realmente lições a serem aprendidas com a China na forma como a acção do governo ajuda a impulsionar o negócio, melhorando também a condição económica dos seus trabalhadores. A evidência neste preciso momento é que o crescimento das exportações de vestuário da China pode coexistir com a melhoria contínua dos padrões de vida dos trabalhadores.
Já está na altura de pararmos de atacar a China pela sua suposta fraca ética ou pelos alegados subsídios desleais e começarmos a aprender como este país está a alcançar algo que parece cada vez mais improvável no Bangladesh.
Fonte:.portugaltextil.com
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