Adeus à primeira dama da indústria têxtil brasileira, por Laïs Pearson
Oficialmente, conheci Dona Gabriella Pascolato em1968, quando fui à Tecelagem Santaconstancia promover os fios da Lurex International, onde trabalhava como coordenadora de moda.
Tanto Dona Gabriella, como seu marido, Comendador Michele Pascolato, foram extremamente gentis e pacientes comigo, explicando-me para que tipos de têxteis meus produtos se adequavam – eu nada entendia dos intricados processos de fabricação de tecidos.
Eu já tivera contato com Dona Gabriella no show room da Santaconstancia, na rua Vieira de Carvalho, que eu visitara com minha mãe. Cliente de Dener Pamplona de Abreu, o costureiro sugerira a minha mãe escolher na Santaconstancia os tecidos para seus próximos modelos. Desde aqueles longínquos dias, Dona Gabriella e eu nos entrosamos muito bem: ela, sempre solicita e eu ávida por absorver suas palavras.
Durante o tempo que trabalhei na Lurex International, por força de minhas funções, tive que pedirduas vezes a Dona Gabriella grandes metragens de seu famoso shantung Dior. Zuzu Angel pretendia oferecer um manto bordado com águas marinhas à rainha Elizabeth II,durante sua visita ao Brasil.Sem pestanejar, Dona Gabriella me cedeu o tecido. Porém, jamais se teve notícia do tal manto, que se perdeu nas brumas da história da moda!
Noutra oportunidade, um conhecido costureiro carioca, pediu-me para solicitar outros tantos metros do precioso shantung para fazer um suntuoso vestido de baile para um grandioso evento. Mais uma vez, Dona Gabriella atendeu a meu pedido.
E o vestido? Jamais entrou na passarela. O costureiro desculpou-se dizendo que a esposa do então Presidente da República se apossara do tecido. Muito a contra gosto, tive de novo que explicar a Dona Gabriella o destino que, a minha revelia,haviam dado a seu tecido.
Recebi uma bem merecida bronca pela minha ingenuidade: “duas vezes é o bastante”, disse-me. “Não me venha pedir mais nada”. Aprendi a lição: nunca mais pedi nada a ninguém, adotando o mote “se quiser, peça você”.
Várias vezes a visitei na tecelagem, no show room do Rio de Janeiro. Encontrávamos nos salões, feiras e desfiles em Paris, Milão, Florença, Londres, Frankfurt… E Dona Gabriella sempre me tratava com carinho, convidando-me para um chá, um café,um vinho
Porém, foi a partir dos eventos da Phytoervas, Morumbi Fashion, São Paulo Fashion Week que nossos encontros se amiudaram, pois gostávamos de curtir uma… ou mais taças de Champagne nos lounges dos patrocinadores, entre um e outro desfile.
Eu adorava sua companhia, sempre enriquecedora, tanto em termos profissionais como de vida. Éramos, às vezes, saudosistas em relação à moda: lembrávamos de Dener, Clodovil, Guilherme Guimarães, José Ronaldo Zuzu Angel, Zé Nunes, e tantos outros.
Falávamos de nossos filhos, netos; ela contava-me as “gracinhas” de seu bisneto, o trabalho do filho Alessandro na direção da Santaconstancia e na ABIT, as conquistas profissionais (e outras) de sua filha Costanza…
Se já sentia saudades de Dona Gabriella durante as últimas edições da SPFW, mais falta vou sentir, agora que sei que não está mais conosco. Sua partida deixa um grande vazio entre todos que a conheceram. E a indústria têxtil brasileira ficou mais pobre,mais triste e sem brilho.
A empresária italiana Gabriella Pascolato faleceu aos 93 anos em São Paulo, no dia 21 de agosto de 2010. Fundadora da tecelagem SantaConstancia e importante personagem da história da moda brasileira, ela deixa saudades e uma importante contribuição para a indústria têxtil brasileira.
Sobre o falecimento da mãe, Costanza Pascolato declarou à imprensa: “Minha mãe foi – e será sempre – a maior inspiração. Hoje, posso realmente entender, no sentido mais completo, toda a profundidade de sua poderosa influência, nafamília – alcançando até a linhagem mais jovem –, estimulo para seus colaboradores e, sempre, impulso de coragem, dignidade e humanidade para todos a que a conheceram. Ela se perpetuará na nossa memória”.
Nascida em Tortona, na Itália, em 1917, Gabriella estudou em Poggio Imperiale, um dos internatos mais tradicionais de seu país, localizado em Florença. Foi em Veneza, no entanto, que conheceu seu marido, o advogado Michele Pascolato.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os dois tiveram dois filhos: Costanza e Alessandro. Depois de a família chegar a viver em um campo de refugiados, em 1945, o casal decidiu embarcar em um navio rumo ao Brasil. “Depois de quarenta dias num campo de refugiados na Suíça, onde trabalhava na horta, vim para o Brasil com marido, dois filhos e governanta. Aos 28 anos, minha maior preocupação era proteger minha família”, declarou a própria
No país, a primeira parada foi o Rio de Janeiro. Logo depois, a família se mudou para São Paulo, onde todos se tornaram grandes amigos da família Matarazzo. Gabriella declarou que os Matarazzo eram bons amigos e acolheram os Pascolato muito bem.
Em 1948, os Pascolato fundaram a tecelagem Santa Constancia, uma das maiores indústrias do setor no Brasil. O legado da marca é tão grande que, tempos depois, a filha de Gabriella, Costanza Pascolato, se tornou referênciimportante para o mundo da moda, tanto que hoje é conhecida como a papisa da moda brasileira”.
Responsável por transformar o sobrenome Pascolato em referência na moda brasileira, Gabriela foi representante de Salvatore Ferragamo no Brasil, antes de abrir, em 1946, a tecelagem que se transformaria em das mais importantes do país.
A Editora Jaboticaba lançou o livro Gabriella Pascolato – Santa Constância e outras histórias, para celebrar os 90 anos da empresária que, como vários imigrantes, contribuíram pela construção do Brasil. Sem nunca ter trabalhado antes (era obcecada pelo estudo de idiomas), abriu, em 1948, uma fábrica de tecidos finos que sobreviveu às muitas crises do setor e está entr as mais importantes tecelagens do país.
Ao longo de um ano, em mais de 50 horas de entrevistas, Gabriella revelou algumas histórias fascinantes ao autor do livro, Sérgio Ribas. Em 256 páginas, estão os episódios de uma vida extraordinária acompanhados de uma “biografiafotográfica”, que tem desde Gabriella pequenininha, na Toscana, já cheia de estilo, passando por cenários cinematográficos em que viveu (Florença, Veneza, Roma), o nascimento dos filhos Costanza e Alessandro e a chegada ao Brasilatual, quando ela foi homenageada, na São Paulo Fashion Week, como a rainha da moda.
No livro, Gabriella revela com elegância, humor e força característicos de sua personalidade, alguns episodios marcantes de uma vida fabulosa. Fala de personagens interessantíssimos, como seus amigos, Ciccillo Matarazzo, Salvatore Ferragamo, Emilio Pucci, entre outros.
Também conta, entre outras histórias, que Costanza Pascolato, sua filha que virou estrela na moda brasileira, pegou piolhos num campo de refugiados na Suíça, no pós-guerra, depois de passar parte da infância brincando com Juanito, que seria rei da Espanha, porque a família real espanhola estava refugiada e Roma por causa do Franquismo.
Retrata a Itália em um de seus momentos mais marcantes e contextualiza sua vida ao longo da história do Brasil da segunda metade do século XX. Uma vida intensa de desafios e conquistas que fizeram com que Dona Gabriella fosseadmirada e reverenciada por todos os profissionais de moda no mundo.
Elegância e competência ainda são marcas da família 1 e 2: Costanza Pascolato. Hoje, a empresária segue os passos da mãe com a mesma elegância e competência.
fonte:fashionbubbles.com
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