Josué Gomes, o filho de José Alencar, herdou do pai não só o império têxtil da Coteminas, mas a humildade e um forte espírito de liderança
por Hélio Campos Mello, Nirlando Beirão e Ricardo Kotscho
"Vocês que entrevistam tantas pessoas, tantos brasileiros importantes, virem aqui me entrevistar... Puxa vida...", comenta, ao final de duas horas de conversa, o engenheiro e advogado Josué Christiano Gomes da Silva, 46 anos, mineiro de Ubá, comandante do grupo multinacional Coteminas e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Se tem uma característica que ele herdou do pai, o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, é esta: a humildade. Josué carrega o fardo e a honra de ser filho do homem que virou unanimidade nacional na vida pública brasileira ao enfrentar vários achaques de câncer, que já o levaram a 15 cirurgias, com sorrisos, esperança e fé.
Ao contrário do pai, de origem muito humilde, que saiu de casa aos 14 anos, levando apenas uma maleta de mão e muita disposição para trabalhar, sem nenhum diploma, Josué já nasceu rico. Formou-se nas melhores escolas de Engenharia e Direito de Minas Gerais, e depois foi fazer mestrado em Administração de Empresas nos Estados Unidos.
Caçula e único filho homem (tem duas irmãs, Patrícia e Maria da Graça), acompanhou o pai nas fábricas e nos depósitos da empresa desde pequeno. Hoje, ele está à frente de um império têxtil com 14 mil funcionários, distribuídos em 15 fábricas, em nove cidades brasileiras, além de cinco unidades industriais nos Estados Unidos, duas no México, uma na Argentina e uma trading na China.
Na entrevista à equipe da Brasileiros, Josué falou da sua relação com o pai, que só entrou na política depois que ele assumiu a presidência da empresa, dos momentos difíceis enfrentados pela família na luta contra a doença de José Alencar e dos rumos do Brasil neste começo de 2010. Elogia a política social do governo e o enfrentamento dado à crise econômica mundial, mas, como o pai, faz restrições à política financeira, em especial ao câmbio e aos juros: "Precisamos desatar o nó da economia". Nas páginas seguintes, leia a entrevista deste jovem líder empresarial que tem apenas um medo na vida: "Eu só não posso fazer coisa errada".
Brasileiros - Vamos começar por uma pergunta que já devem ter feito umas quinhentas mil vezes para você, mas que tem de ser feita. Como é ser filho do José Alencar?
Josué Christiano Gomes da Silva - É fácil... (risos)
Brasileiros - Como é?
J.C.G.S. - É ótimo... (falando sério). Você sabe que a minha relação com o papai sempre foi de muita amizade. Acho que não é só uma relação de pai e filho. Obviamente que eu tenho um respeito enorme por ele, até porque a nossa educação é mineira. Educação mineira é aquela de pedir benção, respeitar os mais velhos, respeitar as autoridades, respeitar pai, mãe, avós, mas é de muita amizade também. Eu sempre fui muito próximo do papai, muito amigo do papai.
Brasileiros - Você é o único filho homem?
J.C.G.S. - Sou o único filho homem. Sou o caçula, tenho duas irmãs. Não sei se é por isso, mas sempre tive uma proximidade maior com ele. E sempre gostei de acompanhá-lo, de estar ao lado dele, em reuniões que fazia... Eu, menino, já o acompanhava, ia com ele ao BDMG (Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais), que até hoje presta importantes e relevantes serviços ao Estado. Tinha uns oito ou dez anos de idade, eu ia mais era para comer a broa que eles serviam lá no café, maravilhosa. Ouvia muita conversa de negócios. Até hoje, o papai fala assim: "Eu vou para o armazém". Porque, de fato, ele era atacadista de tecidos. O nosso escritório em Belo Horizonte era inicialmente na Santos Dumont com a Espírito Santo, no fundo do depósito de tecidos, que tinha também os escritórios. Então, ele pegou esse costume de falar "armazém". E eu ia junto para o armazém porque gostava de brincar nas peças de tecidos. Quando ele ia visitar fábricas, eu ia também. Ele ficava em reunião no escritório e eu ia para dentro da fiação emendar fio. Às vezes, o fio se rompe e então a fiandeira tem de ir lá emendar. Como eu era baixinho - até hoje sou, não cresci muito... - tinha a altura ideal. Tinha muita agilidade para emendar fio. Ficava ali o dia inteiro me divertindo, às vezes saía tarde da noite. Então, eu sempre tive essa proximidade e ele sempre me permitiu estar ali a seu lado. Eu não falava nada, só ouvia, mas você vai aprendendo um pouco, vai ganhando jeito pra coisa.
Brasileiros - Para você, qual episódio marcou essa amizade, essa relação de pai com filho, uma lembrança que nunca vai esquecer?
J.C.G.S. - A gente tende a ficar mais marcado com as coisas mais recentes, é natural, elas são mais fortes na lembrança. Mas, sem dúvida alguma, eu falo que tudo que aprendi de bom, aprendi com o papai para que ele não seja responsabilizado pelos meus erros... Até porque, como ele mesmo diz, eu sou muito teimoso e experiência não se transfere, que tenho de quebrar a cara para poder aprender por conta própria. Ele fala assim: "Olha, eu também aprendi muito errando, a pessoa aprende errando. Mas é impressionante: os meus erros não estão servindo para você, porque eu te dou recomendação e você erra do mesmo jeito..." (risos). Esses últimos quatro anos foram, sem dúvida, os mais difíceis. A luta do papai contra o câncer começou, de fato, há 13 anos. As primeiras três ocorrências foram facilmente solucionadas, a do rim, a do estômago e a da próstata. De 2006 para cá, é que foi a luta mais difícil. Mas, graças a Deus, agora ele está no caminho da cura de forma até bastante positiva. O comportamento dele durante esses últimos quatro anos, a forma como ele lidou com tudo isso, acho que foi uma lição enorme para todos nós da família.
Brasileiros - Nesses quatro anos, qual foi o momento mais difícil para a família, para você, para o seu pai?
J.C.G.S. - Eu acho que para mim, foi quando nós viajamos aos Estados Unidos, depois daquela cirurgia de 18 horas em janeiro do ano passado. Foi uma cirurgia de altíssimo risco. Eu, pessoalmente, tinha conversado com um médico americano, o doutor Paul Sugarbaker, conhecido e respeitado oncologista de Washington, que desenvolveu essa técnica radical com a combinação de três intervenções em um único procedimento em casos complexos de sarcomatose, que é quando o tumor invade a cavidade peritoneal. A técnica tem sido usada por ele com relativo sucesso. Mandamos as imagens dos exames e conversei muito tempo com ele. O doutor Paul, se recusou a fazer a cirurgia, ele não recomendava, dizendo inclusive que o risco de morte era enorme no próprio procedimento. Mas indicou um médico brasileiro, o doutor Ademar Lopes, que dominava o procedimento cirúrgico com aquelas três etapas e que acabou fazendo a cirurgia no papai. O próprio doutor Ademar já tinha nos alertado dos riscos, nós estávamos muito conscientes de que a cura era até improvável com o procedimento. Mas é aquilo, ir administrando, convivendo e ganhando tempo. Como o papai mesmo diz: "Qual é a coragem de alguém que não tem, vamos dizer, outra opção. Eu tinha de fazer aquilo e pronto". Porque, de fato, se ele não tivesse feito, o caso teria se complicado enormemente. Então, ele fez de forma consciente, sabendo que a possibilidade de cura não era grande, pelo contrário, era até remota com aquela cirurgia. Mas era com o objetivo de ganhar tempo. E já fez 15 cirurgias no total, três só no ano passado. Os médicos todos se surpreendiam. Em 2006, antes do primeiro turno da eleição, ele ligou para o presidente Lula e falou: "Olha, Lula, você vai ter de arrumar um outro candidato a vice porque foi diagnosticado um sarcoma, e eu tenho de fazer uma operação complicada". "Não, de forma alguma, em hipótese alguma. Esquece da campanha e vai cuidar da sua saúde", respondeu o presidente. Ele fez a operação, saiu do hospital, sei lá, em três ou quatro dias, e foi direto para a inauguração de um comitê eleitoral do Aloizio Mercadante...
Brasileiros - Ah, eu me lembro disso. Eu estava lá com ele.
J.C.G.S. - Pois é, Kotscho. Ele saiu do hospital, mamãe brigando com ele, foi para a inauguração do comitê do Aloizio que era candidato ao governo, e fez a campanha toda. Ele atrasou o novo exame de imagem que precisava fazer até passar o segundo turno, porque ele estava na campanha. Fez o exame de imagem e de fato teve de se submeter a uma nova cirurgia. Então, fomos para Nova York, ele fez a segunda cirurgia e daí para frente a história vocês conhecem bem. Quando ele fez a operação das 18 horas, um mês depois apareceram 13 novos tumores. E agora, o que fazemos? Procuramos o tratamento com uma droga experimental nos Estados Unidos, mas também não surtiu efeito. Aquilo foi um momento muito difícil. Nós conversamos com os médicos e eles já tinham, de forma muito transparente, até porque papai não aceita que seja de outra maneira, dado um prognóstico difícil. Dessa vez, foi um prognóstico assim meio de, olha, não tem jeito.
Brasileiros - Isso foi em meados do ano passado, não é?
J.C.G.S. - É. Foi mais ou menos em agosto. Aquele momento talvez tenha sido o mais difícil. Eu até falei com a mamãe para ela se preparar. Mas mamãe tem uma fé extraordinária. Voltamos já sabendo que tínhamos de tentar alguma outra coisa. Aí, veio essa combinação mágica e milagrosa desses quatro medicamentos que ele tem tomado, a notícia mais, vamos dizer, alegre que nós poderíamos ter. Eu estava na China para participar do congresso anual da Federação Internacional de Fabricantes Têxteis (ITMF), da qual eu sou vice-presidente. Eu acordei de madrugada com aquilo na cabeça, peguei meu celular e encontrei uma mensagem do nosso médico, Paulo Hoff, pedindo para que eu ligasse, porque os exames tinham terminado. Liguei na hora e ele me deu a notícia. "Olha Josué, aconteceu aqui um negócio..., quase um milagre..." E o Paulo é um sujeito muito assim, ponderado, mas estava exultante. Foi quando eu liguei para o papai e para a mamãe e, de fato, eles estavam ali no hospital ainda tendo aquela notícia fantástica. Houve uma redução de 30% dos tumores. Então, de fato, a medicação da quimioterapia está funcionando.
Brasileiros - E como é que a família recebeu a notícia no dia em que teu pai comunicou ao presidente Lula que seria candidato ao Senado por Minas Gerais?
J.C.G.S. - Você sabe que, num primeiro momento, a família, talvez até por ciúme, não gostou da ideia. Porque quando um familiar vai para a política, de fato ele vira homem público, você perde a exclusividade. Talvez seja por esse desejo de o querermos só pra nós...
Brasileiros - E essa coisa da pancadaria, do fato de o homem público se tornar uma vitrine?
J.C.G.S. - A gente lida bem com isso, porque o papai lida bem com isso. Quando ele entrou para a política, nós poderíamos ter achado que aquilo era ruim para a empresa. Desde o primeiro momento, a orientação que ele deu foi a seguinte: "Olha, quem quer que seja, repórter de qualquer veículo, de qualquer nível dentro do veículo ou que queira qualquer informação da empresa, você pessoalmente atenda e dê todas as informações da maneira mais transparente possível, se você tiver a informação. Se você não souber, procura saber, vai se informar, pede um tempo e dá a informação. Responsabilidade não se transfere. Na empresa, você pode delegar autoridade e, graças a Deus, nós temos uma equipe excepcional, mas a responsabilidade última é nossa". Então, senti uma mudança muito clara na postura dos repórteres porque, no início, eles, obviamente, têm aquela desconfiança. Mas, depois de certo tempo, vendo a forma transparente com que as informações são passadas, a gente vai ganhando um grau de credibilidade e de respeito. Essa convivência foi tranquila. Eu acho que a gente tinha mais era um ciúme de perdê-lo, porque perde mesmo, não adianta. Mas vou te falar uma coisa, o problema dessa doença talvez tenha feito com que a gente até respeitasse mais essa vida pública. De certa maneira, isso até ajudou na própria superação dele, com todo o apoio. A solidariedade que ele recebeu, uma coisa tão bonita, não tem preço, não tem nada que pague isso. Por mais oportunidades que ele tenha perdido eventualmente na carreira empresarial, por ter ido pra política, essas manifestações de solidariedade já terão valido a pena.
Brasileiros - Vocês da família têm alguma participação em campanha eleitoral com seu pai?
J.C.G.S. - Não. Nunca tive. Na primeira campanha que ele fez ao governo do Estado, em 1994, e, depois, ao Senado, em 1998, eu já morava em São Paulo e estava cuidando da empresa. E ele até diz que só pôde ir para a política depois que viu que a empresa teria uma sucessão natural, tranquila, administrada de maneira muito competente por uma boa equipe, não sou só eu.
Brasileiros - Ou seja, ele só foi para a política quando você assumiu o comando da empresa, foi isso?
J.C.G.S. - É, porque o papai fala o seguinte: "A atividade política e a atividade empresarial são incompatíveis, porque ambas são de dedicação integral". Veja bem, agora vão terminar os oito anos. Eu já tinha voltado dos Estados Unidos há cinco anos e já tinha assumido a posição de principal executivo na empresa, que era a superintendência. Ele era o presidente e eu o superintendente.
Brasileiros - Você fez Engenharia e Direito. Esse Direito, aí na sua cabeça, tinha a ver com a política ou não?
J.C.G.S. - Não. Eu sempre gostei muito de matemática, tinha muita facilidade pra matemática. Fui para o curso de Engenharia muito mais por isso. E também porque a Coteminas é uma empresa industrial, tem muita ligação com Engenharia, muito conhecimento dessa área que é aplicado no dia a dia da empresa. Mas a verdade é que quando a gente entra em Engenharia, logo vê que o curso é excelente, mas não complementa a gente no lado humano. O curso de Direito é mais enriquecedor nesse aspecto. Além do mais, o conhecimento jurídico também é importantíssimo no dia a dia da empresa.
Brasileiros - E você já estava focado na empresa?
J.C.G.S. - Estava. Mas eu gostava tanto de Direito, eu era o melhor aluno do curso, tanto é que, sem falsa modéstia, me deram a medalha Milton Campos por causa das minhas notas. Eles acharam que tinham de criar um prêmio para me dar. Fui o primeiro aluno a ganhar esse prêmio. Gostava tanto de Direito que o papai falou: "Meu filho, porque você não vai ser juiz de Direito? Carreira de magistrado é uma carreira linda e você vai ser um magistrado com independência absoluta, porque eu vou te deixar um patrimônio, e então você vai poder ter uma renda. Você vai começar numa comarca de primeira entrância e, depois, já que gosta tanto de Direito, é tão bom aluno, vai continuar estudando. Vai ser um ótimo magistrado e, talvez, quem sabe, chegar até a ministro do Supremo, que é o ápice da carreira. Além do mais, a empresa é um sacerdócio. Isso aqui é muito duro, é uma vida muita dura, tem de ter muita dedicação. A empresa é viver para ela, não é viver dela. Isso é quase que uma escravidão. Porque você não vai ser um magistrado?". Acho que ele falava isso porque via que eu gostava de Direito, mas também porque talvez quisesse me abrir os olhos para outras alternativas, com coisas assim: "Olha, não se sinta obrigado a assumir a empresa, dar continuidade ao que eu fiz, porque você não tem essa obrigação". Ou até talvez para testar a minha vocação, meu interesse mesmo na empresa. Mas eu já tinha me decidido, talvez até por osmose, as broas lá do MDMG já tinham me impregnado...
Brasileiros - Mas você acabou fazendo política empresarial, política classista... Você participou de uma eleição na Fiesp, muito disputada, quando era da oposição e faz política até hoje como vice-presidente da entidade.
J.C.G.S. - É verdade, eu sempre participei das entidades de classe. Quem fez política para se eleger na Fiesp foi o Paulo Skaf, eu só ajudei ou não atrapalhei. O Skaf presidiu antes a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) e, no primeiro mandato dele, convidou o papai para ser primeiro vice-presidente e eu, que era também da chapa, como diretor da entidade. Na reeleição do Paulo para a ABIT, o papai falou que não podia continuar por falta de tempo. O papai já estava então na política. O Paulo então tomou a iniciativa de me convidar, não foi o papai que orientou, em hipótese alguma o papai faria isso, e não faz mesmo, vocês o conhecem. O Paulo falou: "Então, eu vou convidar o Josué para ser o primeiro vice-presidente". Na ABIT, o Paulo fez um trabalho excepcional, ele é muito dinâmico, muito trabalhador e muito dedicado. Quando ele pleiteou, vamos dizer, fazer aquele mesmo trabalho à frente da Fiesp, nós todos do setor achávamos que ele tinha todos os méritos e todas as condições para fazer uma ótima gestão. No primeiro mandato, eu não fiz parte da chapa, só pedi votos. O primeiro vice era o Benjamin Steinbruch e é até hoje. Só na reeleição do Paulo é que eu assumi uma das vice-presidências.
Brasileiros - Agora o Paulo Skaf está se lançando candidato ao governo paulista pelo PSB. Isto não vai contra aquela afirmação do teu pai de que a atividade empresarial é incompatível com a atividade política?
J.C.G.S. - Mas ele pode ser candidato e, se for eleito, eu tenho a certeza de que ele vai se dedicar 24 horas por dia à política e deixar a atividade empresarial.
Brasileiros - Mas você acha que ele tem alguma chance de se eleger?
J.C.G.S. - Eu acho que ele tem. Acho que ele é uma pessoa com uma capacidade de trabalho incomum. Ele tem muita disposição, o Paulo é uma pessoa que gosta de prestar serviço, ele se realiza prestando serviço. Então, acho que ele tem todas as condições e chance. É aquela história: tem mais chance de se eleger se vier a ser candidato do que se ele não for candidato... Então, o primeiro passo para ele se eleger é ser candidato e espero que seja, espero até que ganhe. Com todo o respeito aos demais candidatos, acho que o Paulo tem todos os méritos.
Brasileiros - Você teria vontade de entrar na campanha, fazer campanha para ele?
J.C.G.S. - Hoje, eu compreendo melhor que antes que é preciso atuar também na política. Em um sistema democrático, é absolutamente imprescindível que todos nós estejamos engajados, estejamos atuando na política. É por meio dos partidos políticos e do sistema eleitoral que se pode defender legitimamente seus pontos de vista. É muito mais legítimo até dessa forma que tentar ficar fazendo enorme pressão sobre os governos. Não significa que a entidade de classe também não seja uma atividade política legítima. A política classista é importante e útil, mas acho que mais empresários têm de entrar na política, assim como também de todas as classes sociais. As pessoas têm de entrar na política, participar da vida política. Eu faria campanha para o Skaf, por que não? Só não sei se eu vou ajudar subindo no palanque... É aquela história que o presidente Lula sempre fala: "O problema daqueles que falam que não gostam de política, é que acabam sendo governados por aqueles que gostam". Ele falou isso dentro da Fiesp durante a campanha dele de 2002, chamando os empresários para participar. É igual ao papai. O papai, por exemplo, hoje eu admiro, respeito a decisão dele de ter ido para a vida política partidária, tentando levar a contribuição dele.
Brasileiros - Josué, vamos falar um pouco da economia brasileira hoje. Como empresário, vice-presidente da Fiesp, viajando pelo mundo todo e conversando com todo tipo de gente, como você está vendo as coisas?
J.C.G.S. - O Brasil está vivendo um momento de fato espetacular. Temos hoje uma combinação de crescimento econômico com uma inflação em patamares muito satisfatórios, respeitabilidade no campo internacional e perspectivas de investimentos em diversos campos muito fortes. O Brasil, por exemplo, tem todo esse projeto do Pré-Sal a ser desenvolvido. Só a indústria de óleo e gás vai carrear investimentos excepcionais para o Brasil. Esses são aspectos altamente positivos, o mercado interno forte e crescente. Mas existem algumas coisas, que já vêm de muito tempo e que precisam ser corrigidas, sob pena de não aproveitarmos de forma plena toda a potencialidade que está se abrindo para o Brasil. São problemas antigos, são problemas que merecem uma atenção maior.
Brasileiros - Você está se referindo às reformas que todo mundo reclama e nunca acontecem?
J.C.G.S. - Pois é. Tem a reforma tributária por exemplo. O sistema tributário nacional é absolutamente anacrônico. Uma coisa que me preocupa é essa política esparadrapo, política band-aid, como se diz. O Brasil tem uma carga tributária alta sobre o trabalho, tem uma carga tributária alta sobre a produção, tem uma carga tributária alta sobre os investimentos. A carga tributária brasileira é alta e é complexa. Veio a crise e, corretamente, houve uma atuação decisiva do Governo Federal e do Ministério da Fazenda de promover a desoneração fiscal em alguns setores. O problema é que essas desonerações setoriais são remendos que tinham de ser feitos, porque era uma situação emergencial, e foram muito benfeitos. Mas o ideal é que seja dada uma solução definitiva ao sistema tributário nacional. É aquela velha história, estamos tributando a produção desnecessariamente. Mas aí se desonera setorialmente, ao invés de se adotar as políticas horizontais, que são sempre preferíveis às políticas verticais que atendem alguns setores, mas também criam distorções.
Brasileiros - Além da reforma tributária qual seria outra prioridade no momento?
J.C.G.S. - A infraestrutura nacional tem progredido, mas ainda está muito aquém das necessidades do País. A infraestrutura tem de estar à frente do crescimento porque gera crescimento, e a infraestrutura nacional é deficiente e é cara. Agora, talvez, o maior problema seja essa distorção cambial produzida por uma política monetária extrema e desnecessariamente austera. No sistema de câmbio flutuante, existe a possibilidade de o câmbio se ajustar e encontrar o seu patamar pelas forças do mercado. O problema é que os fluxos de capital são muito mais céleres e muito mais ágeis que os fluxos da economia real. Durante um período relativamente longo de entrada de recursos pelos fluxos de capital, pode haver uma sobrevalorização cambial que pune enormemente o lado real da economia, que não tem a mesma agilidade de adaptação do mercado financeiro, por razões naturais, porque os ciclos industriais são mais longos. Hoje, acho que as pessoas começaram a se dar conta de que o Brasil estava perdendo competitividade. A indústria de transformação brasileira, principalmente, estava perdendo competitividade com o patamar de sobrevalorização cambial que o Brasil alcançou. O problema é que o câmbio veio se valorizando ao longo de quatro, cinco anos seguidos, seis anos ou mais até, sete anos seguidos. As empresas vão se tornando menos competitivas. Num primeiro momento, elas mantêm os seus contratos, num segundo, elas tentam repassar preços, e já começam a perder um pouco o mercado. Chega num ponto que ela não consegue mais aumentar o preço para compensar a sobrevalorização cambial, que é muito maior que todo ganho de produtividade que a empresa consegue ter.
Brasileiros - E qual é a saída para esse impasse?
J.C.G.S. - A empresa começa a abrir mão de alguns pedidos porque ela não pode, vamos dizer, ficar no prejuízo. O prejuízo tem de ser condenado sempre. Então, ela começa a abrir mão de alguns contratos. Cumpre, religiosamente, todos os que ela tinha feito antes, mas começa a abrir mão de alguns contratos novos. É óbvio que o cliente lá fora terá de substituir aquele produto por algum outro fornecedor. Na hora em que o câmbio volta ao normal, tem de começar tudo de novo na busca de compradores. Isso está acontecendo com um número enorme de empresas e a balança comercial vai se deteriorando. Até você reconquistar aquele cliente, até você aumentar a produção de novo, tudo isso demora, os ciclos industriais são longos. Então, esse problema é grave, o Brasil não podia ter deixado isso acontecer.
Brasileiros - E você ainda não falou dos juros, o tema predileto do teu pai ao criticar a política monetária...
J.C.G.S. - Pois é... Tem também outras razões que levaram à sobrevalorização cambial - não foi só por causa da política monetária brasileira e o patamar dos juros brasileiros. Em parte, porém, os juros também são responsáveis pela sobrevalorização cambial. Os juros, veja bem... Muitas pessoas até falam: "Puxa vida, o Alencar é uma pessoa de uma nota só". O que ele tenta fazer é formar opinião sobre o tema. É obvio que ele não acha que apenas os juros são os culpados pelos nossos problemas. Mas esse é um problema tão grande e tão relevante, que ele precisa formar opinião em torno dessa questão e, por isso, ele repete, repete e repete, tentando formar opinião. E, de fato, o Banco Central brasileiro tem sido muito conservador ao longo de todos esses anos.
Brasileiros - Se você comparar com três, quatro anos atrás, os juros hoje estão muito mais baixos no Brasil.
J.C.G.S. - É preciso que se reconheça isso. Mas ainda estão em um patamar mais elevado do que deveriam estar, o mais importante é o seguinte: quanto o Estado gastou sobre a dívida pública em pagamentos de juros. Comparando isso com qualquer outro país do mundo, você vê que é ilógico. Hoje, todos reconhecem que não tem essa necessidade, acho que isso é um consenso já. Finalmente, se construiu um consenso em torno disso. Houve evolução? Houve. Mas foi muito lenta, muito gradual.
Brasileiros - Além dos juros e da dívida pública, o que você não gosta no governo, o que te incomoda, o que poderia mudar?
J.C.G.S. - Eu até compreendo que, uma vez que existam dificuldades para adoção de políticas mais macro, se atenda setores de forma individualizada. De novo, eu acho que a questão da reforma tributária precisava ser de fato retomada no Brasil. Entendo as dificuldades, porque também não depende apenas do Executivo. A adoção de políticas, às vezes, muito específicas para resolver o problema, ao invés de resolver de forma cabal e definitiva, é alguma coisa que vai complicando mais do que descomplicando. E tudo que é complicado não funciona. Vai se criando um sistema tão complexo e com algumas distorções, que fica cada vez mais difícil de reorganizar. Precisamos desatar esse nó da economia.
Brasileiros - E qual área você destacaria como positiva, a principal marca do atual governo?
J.C.G.S. - As políticas sociais são, sem dúvida, o ponto mais forte desse governo. As medidas adotadas nessa área, que permitiram inclusive o fortalecimento do mercado doméstico, foram essenciais para que o Brasil se recuperasse tão rapidamente dessa crise econômica de grandes proporções. Eu acho que é o ponto fortíssimo desse governo, graças à sensibilidade que o presidente Lula tem de levar o governo a implementar políticas sociais realmente importantes, que resultaram na criação de uma nova classe média. Isso foi fantástico.
Brasileiros - Alguns setores empresariais e da mídia queixam-se, porém, de uma crescente intervenção do Estado na economia. O que você pensa disso?
J.C.G.S. - Eu não sou daqueles que acham que o Estado não deve estar presente na economia, que o Estado deve estar completamente afastado da economia. Mas a verdade é que o setor privado é mais ágil. E, portanto, esse avanço do Estado, que veio em momentos emergenciais, quando todo mundo retraiu o investimento, precisa ser visto com cuidado. Vamos dizer a verdade. A Petrobras entrou de novo na Petroquímica. É uma grande empresa de petróleo e é absolutamente legítimo que ela tenha uma presença na Petroquímica. Mas é de novo o Estado participando de um setor, de uma atividade econômica da qual ele já havia se afastado. Isso é bom ou isso é ruim? A Petrobras é uma empresa extremamente bem gerida, mas tem um conjunto de investimentos gigantescos a serem feitos para o desenvolvimento do Pré-Sal. Caberá a ela 30% de qualquer uma das novas áreas a serem licitadas. Então, a Petrobras tem já um volume muito grande de investimentos a ser feito. Houve avanço do Estado também em vários outros setores, a verdade é essa. Os bancos estatais cresceram... Mas também a gente tem de compreender que cresceram num momento em que os bancos privados se retraíram.
Brasileiros - É que houve um momento, no início do ano passado, em que não havia mais crédito na praça e os bancos oficiais foram importantes para irrigar a economia e evitar a recessão.
J.C.G.S. - Mas eu espero que, voltando a economia à normalidade, eles não continuem crescendo na mesma velocidade. São bancos extremamente competentes e bem geridos. Posso dizer que tanto o BNDES quanto o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal hoje têm uma gestão primorosa. Então, cresceram também por mérito. Agora, se continuarem crescendo, isso é bom ou é ruim?
Brasileiros - Você não acha que as conquistas do atual governo na área social estão intimamente ligadas ao crescimento desses bancos ou isso não é verdade?
J.C.G.S. - Os bancos estatais cresceram muito fortemente porque, de fato, durante a crise, os bancos privados se retraíram e cortaram o crédito. Se o Brasil não tivesse bancos estatais sólidos e bem dotados na área de recursos humanos, o governo não poderia ter adotado políticas de maior crédito que permitissem ao Brasil se recuperar na velocidade com que se recuperou. Por outro lado, é aquela história: uma participação maior do Estado no setor financeiro pode trazer consequências em longo prazo, como a perda de eficiência. Isso está acontecendo no mundo todo, não é um fenômeno só do Brasil. O Estado veio resgatar a economia mundial. Eu sou muito de São Tomás de Aquino, a virtude está no meio. Tudo é meio pendular na sociedade ou, talvez, de certa maneira, cíclico. Quando Ronald Reagan assumiu o governo nos Estados Unidos e Margareth Thatcher, na Inglaterra, houve, vamos dizer, uma inflexão para aquilo que se chamou "Estado Mínimo" em que o mercado podia tudo. E aquilo provocou um avanço dramático em direção à completa desregulamentação da economia, com o Estado se afastando de tudo, até mesmo no controle e no ordenamento.
Brasileiros - Que veio dar nessa baita crise que abalou o mundo inteiro no ano passado...
J.C.G.S. - É, deu nesse desastre que está aí. Depois do desastre, agora é natural que tenhamos uma tendência a ir em direção oposta. Não estou dizendo que o estágio em que estamos hoje está errado. O que nós temos de ficar atentos é não deixar que o pêndulo vá novamente para a direção diametralmente oposta do Estado Mínimo. Só não pode acelerar o processo e chegar num ponto e cair de novo. Tem todo o custo em volta do pêndulo. Então, o melhor é que o pêndulo fique ali no meio. É mais um alerta nessa direção.
Brasileiros - Você se sentiu muito cobrado intimamente por ter um pai forte, que se tornou um grande empresário antes de entrar na política e se eleger vice-presidente da República?
J.C.G.S. - Em geral, é a própria pessoa que se cobra. Você sabe por que eu não me cobro tanto? Porque não tem como comparar. São situações absolutamente diferentes, são pessoas diferentes, por mais parecidos que sejamos... Até a voz dizem que é muito parecida, fisicamente talvez tenhamos alguns traços em comum, falam que o nosso andar é mais ou menos igual, mas são histórias de vidas diferentes. Papai é uma pessoa que saiu de casa aos 14 anos para trabalhar, levando a malinha. Dormiu num corredor de pensão durante quase dois anos...
Brasileiros - Quer dizer, ele teve uma origem bem pobre e você já nasceu filho de rico...
J.C.G.S. - É, pois é, eu nasci em uma outra circunstância, eu pude estudar, pude completar meus estudos nas melhores universidades, estudei fora do País.
Brasileiros - Mas você teve uma orientação familiar que te fez valorizar muito o que tinha.
J.C.G.S. - Ah, é claro, é claro. Tenho um nome que vem sendo construído por gerações que me antecederam e pelo qual tenho de zelar. E eu não posso fazer nada de errado que comprometa esse nome, porque eu recebi isso e esse é o maior valor que eu herdei das gerações passadas. É o nosso nome. Preciso fazer com que meus filhos, meus netos e meus descendentes se orgulhem tanto desse nome como eu me orgulho. Mas eu não tenho nem como comparar a minha história na empresa, qualquer que seja ela, com a dele. Para quem saiu do nada, construir o que ele construiu... Mas eu também peguei a empresa em um determinado estágio e estou conseguindo construir a minha parte. Agora, se me falarem assim: "Digamos que um dia você caminhe para a política". Como é que vou comparar a carreira política dele com a minha, se eventualmente eu vier a atuar na política?
Brasileiros - Você já pensou nisso?
J.C.G.S. - Atuar na política? Eu brinco que só de cinco em cinco gerações da família é que a gente pode participar da política... Então, estou afastado por, pelo menos, quatro gerações. Por isso, não me cobro tanto, tenho de fazer o meu papel e só não posso entregar aos meus descendentes um nome menos honrado do que recebi dos meus antepassados. E é só não fazer coisa errada. Se eu não fizer coisa errada, já está bom...
Fonte:revistabrasileiros.com.br
por Hélio Campos Mello, Nirlando Beirão e Ricardo Kotscho
"Vocês que entrevistam tantas pessoas, tantos brasileiros importantes, virem aqui me entrevistar... Puxa vida...", comenta, ao final de duas horas de conversa, o engenheiro e advogado Josué Christiano Gomes da Silva, 46 anos, mineiro de Ubá, comandante do grupo multinacional Coteminas e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Se tem uma característica que ele herdou do pai, o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, é esta: a humildade. Josué carrega o fardo e a honra de ser filho do homem que virou unanimidade nacional na vida pública brasileira ao enfrentar vários achaques de câncer, que já o levaram a 15 cirurgias, com sorrisos, esperança e fé.
Ao contrário do pai, de origem muito humilde, que saiu de casa aos 14 anos, levando apenas uma maleta de mão e muita disposição para trabalhar, sem nenhum diploma, Josué já nasceu rico. Formou-se nas melhores escolas de Engenharia e Direito de Minas Gerais, e depois foi fazer mestrado em Administração de Empresas nos Estados Unidos.
Caçula e único filho homem (tem duas irmãs, Patrícia e Maria da Graça), acompanhou o pai nas fábricas e nos depósitos da empresa desde pequeno. Hoje, ele está à frente de um império têxtil com 14 mil funcionários, distribuídos em 15 fábricas, em nove cidades brasileiras, além de cinco unidades industriais nos Estados Unidos, duas no México, uma na Argentina e uma trading na China.
Na entrevista à equipe da Brasileiros, Josué falou da sua relação com o pai, que só entrou na política depois que ele assumiu a presidência da empresa, dos momentos difíceis enfrentados pela família na luta contra a doença de José Alencar e dos rumos do Brasil neste começo de 2010. Elogia a política social do governo e o enfrentamento dado à crise econômica mundial, mas, como o pai, faz restrições à política financeira, em especial ao câmbio e aos juros: "Precisamos desatar o nó da economia". Nas páginas seguintes, leia a entrevista deste jovem líder empresarial que tem apenas um medo na vida: "Eu só não posso fazer coisa errada".
Brasileiros - Vamos começar por uma pergunta que já devem ter feito umas quinhentas mil vezes para você, mas que tem de ser feita. Como é ser filho do José Alencar?
Josué Christiano Gomes da Silva - É fácil... (risos)
Brasileiros - Como é?
J.C.G.S. - É ótimo... (falando sério). Você sabe que a minha relação com o papai sempre foi de muita amizade. Acho que não é só uma relação de pai e filho. Obviamente que eu tenho um respeito enorme por ele, até porque a nossa educação é mineira. Educação mineira é aquela de pedir benção, respeitar os mais velhos, respeitar as autoridades, respeitar pai, mãe, avós, mas é de muita amizade também. Eu sempre fui muito próximo do papai, muito amigo do papai.
Brasileiros - Você é o único filho homem?
J.C.G.S. - Sou o único filho homem. Sou o caçula, tenho duas irmãs. Não sei se é por isso, mas sempre tive uma proximidade maior com ele. E sempre gostei de acompanhá-lo, de estar ao lado dele, em reuniões que fazia... Eu, menino, já o acompanhava, ia com ele ao BDMG (Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais), que até hoje presta importantes e relevantes serviços ao Estado. Tinha uns oito ou dez anos de idade, eu ia mais era para comer a broa que eles serviam lá no café, maravilhosa. Ouvia muita conversa de negócios. Até hoje, o papai fala assim: "Eu vou para o armazém". Porque, de fato, ele era atacadista de tecidos. O nosso escritório em Belo Horizonte era inicialmente na Santos Dumont com a Espírito Santo, no fundo do depósito de tecidos, que tinha também os escritórios. Então, ele pegou esse costume de falar "armazém". E eu ia junto para o armazém porque gostava de brincar nas peças de tecidos. Quando ele ia visitar fábricas, eu ia também. Ele ficava em reunião no escritório e eu ia para dentro da fiação emendar fio. Às vezes, o fio se rompe e então a fiandeira tem de ir lá emendar. Como eu era baixinho - até hoje sou, não cresci muito... - tinha a altura ideal. Tinha muita agilidade para emendar fio. Ficava ali o dia inteiro me divertindo, às vezes saía tarde da noite. Então, eu sempre tive essa proximidade e ele sempre me permitiu estar ali a seu lado. Eu não falava nada, só ouvia, mas você vai aprendendo um pouco, vai ganhando jeito pra coisa.
Brasileiros - Para você, qual episódio marcou essa amizade, essa relação de pai com filho, uma lembrança que nunca vai esquecer?
J.C.G.S. - A gente tende a ficar mais marcado com as coisas mais recentes, é natural, elas são mais fortes na lembrança. Mas, sem dúvida alguma, eu falo que tudo que aprendi de bom, aprendi com o papai para que ele não seja responsabilizado pelos meus erros... Até porque, como ele mesmo diz, eu sou muito teimoso e experiência não se transfere, que tenho de quebrar a cara para poder aprender por conta própria. Ele fala assim: "Olha, eu também aprendi muito errando, a pessoa aprende errando. Mas é impressionante: os meus erros não estão servindo para você, porque eu te dou recomendação e você erra do mesmo jeito..." (risos). Esses últimos quatro anos foram, sem dúvida, os mais difíceis. A luta do papai contra o câncer começou, de fato, há 13 anos. As primeiras três ocorrências foram facilmente solucionadas, a do rim, a do estômago e a da próstata. De 2006 para cá, é que foi a luta mais difícil. Mas, graças a Deus, agora ele está no caminho da cura de forma até bastante positiva. O comportamento dele durante esses últimos quatro anos, a forma como ele lidou com tudo isso, acho que foi uma lição enorme para todos nós da família.
Brasileiros - Nesses quatro anos, qual foi o momento mais difícil para a família, para você, para o seu pai?
J.C.G.S. - Eu acho que para mim, foi quando nós viajamos aos Estados Unidos, depois daquela cirurgia de 18 horas em janeiro do ano passado. Foi uma cirurgia de altíssimo risco. Eu, pessoalmente, tinha conversado com um médico americano, o doutor Paul Sugarbaker, conhecido e respeitado oncologista de Washington, que desenvolveu essa técnica radical com a combinação de três intervenções em um único procedimento em casos complexos de sarcomatose, que é quando o tumor invade a cavidade peritoneal. A técnica tem sido usada por ele com relativo sucesso. Mandamos as imagens dos exames e conversei muito tempo com ele. O doutor Paul, se recusou a fazer a cirurgia, ele não recomendava, dizendo inclusive que o risco de morte era enorme no próprio procedimento. Mas indicou um médico brasileiro, o doutor Ademar Lopes, que dominava o procedimento cirúrgico com aquelas três etapas e que acabou fazendo a cirurgia no papai. O próprio doutor Ademar já tinha nos alertado dos riscos, nós estávamos muito conscientes de que a cura era até improvável com o procedimento. Mas é aquilo, ir administrando, convivendo e ganhando tempo. Como o papai mesmo diz: "Qual é a coragem de alguém que não tem, vamos dizer, outra opção. Eu tinha de fazer aquilo e pronto". Porque, de fato, se ele não tivesse feito, o caso teria se complicado enormemente. Então, ele fez de forma consciente, sabendo que a possibilidade de cura não era grande, pelo contrário, era até remota com aquela cirurgia. Mas era com o objetivo de ganhar tempo. E já fez 15 cirurgias no total, três só no ano passado. Os médicos todos se surpreendiam. Em 2006, antes do primeiro turno da eleição, ele ligou para o presidente Lula e falou: "Olha, Lula, você vai ter de arrumar um outro candidato a vice porque foi diagnosticado um sarcoma, e eu tenho de fazer uma operação complicada". "Não, de forma alguma, em hipótese alguma. Esquece da campanha e vai cuidar da sua saúde", respondeu o presidente. Ele fez a operação, saiu do hospital, sei lá, em três ou quatro dias, e foi direto para a inauguração de um comitê eleitoral do Aloizio Mercadante...
Brasileiros - Ah, eu me lembro disso. Eu estava lá com ele.
J.C.G.S. - Pois é, Kotscho. Ele saiu do hospital, mamãe brigando com ele, foi para a inauguração do comitê do Aloizio que era candidato ao governo, e fez a campanha toda. Ele atrasou o novo exame de imagem que precisava fazer até passar o segundo turno, porque ele estava na campanha. Fez o exame de imagem e de fato teve de se submeter a uma nova cirurgia. Então, fomos para Nova York, ele fez a segunda cirurgia e daí para frente a história vocês conhecem bem. Quando ele fez a operação das 18 horas, um mês depois apareceram 13 novos tumores. E agora, o que fazemos? Procuramos o tratamento com uma droga experimental nos Estados Unidos, mas também não surtiu efeito. Aquilo foi um momento muito difícil. Nós conversamos com os médicos e eles já tinham, de forma muito transparente, até porque papai não aceita que seja de outra maneira, dado um prognóstico difícil. Dessa vez, foi um prognóstico assim meio de, olha, não tem jeito.
Brasileiros - Isso foi em meados do ano passado, não é?
J.C.G.S. - É. Foi mais ou menos em agosto. Aquele momento talvez tenha sido o mais difícil. Eu até falei com a mamãe para ela se preparar. Mas mamãe tem uma fé extraordinária. Voltamos já sabendo que tínhamos de tentar alguma outra coisa. Aí, veio essa combinação mágica e milagrosa desses quatro medicamentos que ele tem tomado, a notícia mais, vamos dizer, alegre que nós poderíamos ter. Eu estava na China para participar do congresso anual da Federação Internacional de Fabricantes Têxteis (ITMF), da qual eu sou vice-presidente. Eu acordei de madrugada com aquilo na cabeça, peguei meu celular e encontrei uma mensagem do nosso médico, Paulo Hoff, pedindo para que eu ligasse, porque os exames tinham terminado. Liguei na hora e ele me deu a notícia. "Olha Josué, aconteceu aqui um negócio..., quase um milagre..." E o Paulo é um sujeito muito assim, ponderado, mas estava exultante. Foi quando eu liguei para o papai e para a mamãe e, de fato, eles estavam ali no hospital ainda tendo aquela notícia fantástica. Houve uma redução de 30% dos tumores. Então, de fato, a medicação da quimioterapia está funcionando.
Brasileiros - E como é que a família recebeu a notícia no dia em que teu pai comunicou ao presidente Lula que seria candidato ao Senado por Minas Gerais?
J.C.G.S. - Você sabe que, num primeiro momento, a família, talvez até por ciúme, não gostou da ideia. Porque quando um familiar vai para a política, de fato ele vira homem público, você perde a exclusividade. Talvez seja por esse desejo de o querermos só pra nós...
Brasileiros - E essa coisa da pancadaria, do fato de o homem público se tornar uma vitrine?
J.C.G.S. - A gente lida bem com isso, porque o papai lida bem com isso. Quando ele entrou para a política, nós poderíamos ter achado que aquilo era ruim para a empresa. Desde o primeiro momento, a orientação que ele deu foi a seguinte: "Olha, quem quer que seja, repórter de qualquer veículo, de qualquer nível dentro do veículo ou que queira qualquer informação da empresa, você pessoalmente atenda e dê todas as informações da maneira mais transparente possível, se você tiver a informação. Se você não souber, procura saber, vai se informar, pede um tempo e dá a informação. Responsabilidade não se transfere. Na empresa, você pode delegar autoridade e, graças a Deus, nós temos uma equipe excepcional, mas a responsabilidade última é nossa". Então, senti uma mudança muito clara na postura dos repórteres porque, no início, eles, obviamente, têm aquela desconfiança. Mas, depois de certo tempo, vendo a forma transparente com que as informações são passadas, a gente vai ganhando um grau de credibilidade e de respeito. Essa convivência foi tranquila. Eu acho que a gente tinha mais era um ciúme de perdê-lo, porque perde mesmo, não adianta. Mas vou te falar uma coisa, o problema dessa doença talvez tenha feito com que a gente até respeitasse mais essa vida pública. De certa maneira, isso até ajudou na própria superação dele, com todo o apoio. A solidariedade que ele recebeu, uma coisa tão bonita, não tem preço, não tem nada que pague isso. Por mais oportunidades que ele tenha perdido eventualmente na carreira empresarial, por ter ido pra política, essas manifestações de solidariedade já terão valido a pena.
Brasileiros - Vocês da família têm alguma participação em campanha eleitoral com seu pai?
J.C.G.S. - Não. Nunca tive. Na primeira campanha que ele fez ao governo do Estado, em 1994, e, depois, ao Senado, em 1998, eu já morava em São Paulo e estava cuidando da empresa. E ele até diz que só pôde ir para a política depois que viu que a empresa teria uma sucessão natural, tranquila, administrada de maneira muito competente por uma boa equipe, não sou só eu.
Brasileiros - Ou seja, ele só foi para a política quando você assumiu o comando da empresa, foi isso?
J.C.G.S. - É, porque o papai fala o seguinte: "A atividade política e a atividade empresarial são incompatíveis, porque ambas são de dedicação integral". Veja bem, agora vão terminar os oito anos. Eu já tinha voltado dos Estados Unidos há cinco anos e já tinha assumido a posição de principal executivo na empresa, que era a superintendência. Ele era o presidente e eu o superintendente.
Brasileiros - Você fez Engenharia e Direito. Esse Direito, aí na sua cabeça, tinha a ver com a política ou não?
J.C.G.S. - Não. Eu sempre gostei muito de matemática, tinha muita facilidade pra matemática. Fui para o curso de Engenharia muito mais por isso. E também porque a Coteminas é uma empresa industrial, tem muita ligação com Engenharia, muito conhecimento dessa área que é aplicado no dia a dia da empresa. Mas a verdade é que quando a gente entra em Engenharia, logo vê que o curso é excelente, mas não complementa a gente no lado humano. O curso de Direito é mais enriquecedor nesse aspecto. Além do mais, o conhecimento jurídico também é importantíssimo no dia a dia da empresa.
Brasileiros - E você já estava focado na empresa?
J.C.G.S. - Estava. Mas eu gostava tanto de Direito, eu era o melhor aluno do curso, tanto é que, sem falsa modéstia, me deram a medalha Milton Campos por causa das minhas notas. Eles acharam que tinham de criar um prêmio para me dar. Fui o primeiro aluno a ganhar esse prêmio. Gostava tanto de Direito que o papai falou: "Meu filho, porque você não vai ser juiz de Direito? Carreira de magistrado é uma carreira linda e você vai ser um magistrado com independência absoluta, porque eu vou te deixar um patrimônio, e então você vai poder ter uma renda. Você vai começar numa comarca de primeira entrância e, depois, já que gosta tanto de Direito, é tão bom aluno, vai continuar estudando. Vai ser um ótimo magistrado e, talvez, quem sabe, chegar até a ministro do Supremo, que é o ápice da carreira. Além do mais, a empresa é um sacerdócio. Isso aqui é muito duro, é uma vida muita dura, tem de ter muita dedicação. A empresa é viver para ela, não é viver dela. Isso é quase que uma escravidão. Porque você não vai ser um magistrado?". Acho que ele falava isso porque via que eu gostava de Direito, mas também porque talvez quisesse me abrir os olhos para outras alternativas, com coisas assim: "Olha, não se sinta obrigado a assumir a empresa, dar continuidade ao que eu fiz, porque você não tem essa obrigação". Ou até talvez para testar a minha vocação, meu interesse mesmo na empresa. Mas eu já tinha me decidido, talvez até por osmose, as broas lá do MDMG já tinham me impregnado...
Brasileiros - Mas você acabou fazendo política empresarial, política classista... Você participou de uma eleição na Fiesp, muito disputada, quando era da oposição e faz política até hoje como vice-presidente da entidade.
J.C.G.S. - É verdade, eu sempre participei das entidades de classe. Quem fez política para se eleger na Fiesp foi o Paulo Skaf, eu só ajudei ou não atrapalhei. O Skaf presidiu antes a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) e, no primeiro mandato dele, convidou o papai para ser primeiro vice-presidente e eu, que era também da chapa, como diretor da entidade. Na reeleição do Paulo para a ABIT, o papai falou que não podia continuar por falta de tempo. O papai já estava então na política. O Paulo então tomou a iniciativa de me convidar, não foi o papai que orientou, em hipótese alguma o papai faria isso, e não faz mesmo, vocês o conhecem. O Paulo falou: "Então, eu vou convidar o Josué para ser o primeiro vice-presidente". Na ABIT, o Paulo fez um trabalho excepcional, ele é muito dinâmico, muito trabalhador e muito dedicado. Quando ele pleiteou, vamos dizer, fazer aquele mesmo trabalho à frente da Fiesp, nós todos do setor achávamos que ele tinha todos os méritos e todas as condições para fazer uma ótima gestão. No primeiro mandato, eu não fiz parte da chapa, só pedi votos. O primeiro vice era o Benjamin Steinbruch e é até hoje. Só na reeleição do Paulo é que eu assumi uma das vice-presidências.
Brasileiros - Agora o Paulo Skaf está se lançando candidato ao governo paulista pelo PSB. Isto não vai contra aquela afirmação do teu pai de que a atividade empresarial é incompatível com a atividade política?
J.C.G.S. - Mas ele pode ser candidato e, se for eleito, eu tenho a certeza de que ele vai se dedicar 24 horas por dia à política e deixar a atividade empresarial.
Brasileiros - Mas você acha que ele tem alguma chance de se eleger?
J.C.G.S. - Eu acho que ele tem. Acho que ele é uma pessoa com uma capacidade de trabalho incomum. Ele tem muita disposição, o Paulo é uma pessoa que gosta de prestar serviço, ele se realiza prestando serviço. Então, acho que ele tem todas as condições e chance. É aquela história: tem mais chance de se eleger se vier a ser candidato do que se ele não for candidato... Então, o primeiro passo para ele se eleger é ser candidato e espero que seja, espero até que ganhe. Com todo o respeito aos demais candidatos, acho que o Paulo tem todos os méritos.
Brasileiros - Você teria vontade de entrar na campanha, fazer campanha para ele?
J.C.G.S. - Hoje, eu compreendo melhor que antes que é preciso atuar também na política. Em um sistema democrático, é absolutamente imprescindível que todos nós estejamos engajados, estejamos atuando na política. É por meio dos partidos políticos e do sistema eleitoral que se pode defender legitimamente seus pontos de vista. É muito mais legítimo até dessa forma que tentar ficar fazendo enorme pressão sobre os governos. Não significa que a entidade de classe também não seja uma atividade política legítima. A política classista é importante e útil, mas acho que mais empresários têm de entrar na política, assim como também de todas as classes sociais. As pessoas têm de entrar na política, participar da vida política. Eu faria campanha para o Skaf, por que não? Só não sei se eu vou ajudar subindo no palanque... É aquela história que o presidente Lula sempre fala: "O problema daqueles que falam que não gostam de política, é que acabam sendo governados por aqueles que gostam". Ele falou isso dentro da Fiesp durante a campanha dele de 2002, chamando os empresários para participar. É igual ao papai. O papai, por exemplo, hoje eu admiro, respeito a decisão dele de ter ido para a vida política partidária, tentando levar a contribuição dele.
Brasileiros - Josué, vamos falar um pouco da economia brasileira hoje. Como empresário, vice-presidente da Fiesp, viajando pelo mundo todo e conversando com todo tipo de gente, como você está vendo as coisas?
J.C.G.S. - O Brasil está vivendo um momento de fato espetacular. Temos hoje uma combinação de crescimento econômico com uma inflação em patamares muito satisfatórios, respeitabilidade no campo internacional e perspectivas de investimentos em diversos campos muito fortes. O Brasil, por exemplo, tem todo esse projeto do Pré-Sal a ser desenvolvido. Só a indústria de óleo e gás vai carrear investimentos excepcionais para o Brasil. Esses são aspectos altamente positivos, o mercado interno forte e crescente. Mas existem algumas coisas, que já vêm de muito tempo e que precisam ser corrigidas, sob pena de não aproveitarmos de forma plena toda a potencialidade que está se abrindo para o Brasil. São problemas antigos, são problemas que merecem uma atenção maior.
Brasileiros - Você está se referindo às reformas que todo mundo reclama e nunca acontecem?
J.C.G.S. - Pois é. Tem a reforma tributária por exemplo. O sistema tributário nacional é absolutamente anacrônico. Uma coisa que me preocupa é essa política esparadrapo, política band-aid, como se diz. O Brasil tem uma carga tributária alta sobre o trabalho, tem uma carga tributária alta sobre a produção, tem uma carga tributária alta sobre os investimentos. A carga tributária brasileira é alta e é complexa. Veio a crise e, corretamente, houve uma atuação decisiva do Governo Federal e do Ministério da Fazenda de promover a desoneração fiscal em alguns setores. O problema é que essas desonerações setoriais são remendos que tinham de ser feitos, porque era uma situação emergencial, e foram muito benfeitos. Mas o ideal é que seja dada uma solução definitiva ao sistema tributário nacional. É aquela velha história, estamos tributando a produção desnecessariamente. Mas aí se desonera setorialmente, ao invés de se adotar as políticas horizontais, que são sempre preferíveis às políticas verticais que atendem alguns setores, mas também criam distorções.
Brasileiros - Além da reforma tributária qual seria outra prioridade no momento?
J.C.G.S. - A infraestrutura nacional tem progredido, mas ainda está muito aquém das necessidades do País. A infraestrutura tem de estar à frente do crescimento porque gera crescimento, e a infraestrutura nacional é deficiente e é cara. Agora, talvez, o maior problema seja essa distorção cambial produzida por uma política monetária extrema e desnecessariamente austera. No sistema de câmbio flutuante, existe a possibilidade de o câmbio se ajustar e encontrar o seu patamar pelas forças do mercado. O problema é que os fluxos de capital são muito mais céleres e muito mais ágeis que os fluxos da economia real. Durante um período relativamente longo de entrada de recursos pelos fluxos de capital, pode haver uma sobrevalorização cambial que pune enormemente o lado real da economia, que não tem a mesma agilidade de adaptação do mercado financeiro, por razões naturais, porque os ciclos industriais são mais longos. Hoje, acho que as pessoas começaram a se dar conta de que o Brasil estava perdendo competitividade. A indústria de transformação brasileira, principalmente, estava perdendo competitividade com o patamar de sobrevalorização cambial que o Brasil alcançou. O problema é que o câmbio veio se valorizando ao longo de quatro, cinco anos seguidos, seis anos ou mais até, sete anos seguidos. As empresas vão se tornando menos competitivas. Num primeiro momento, elas mantêm os seus contratos, num segundo, elas tentam repassar preços, e já começam a perder um pouco o mercado. Chega num ponto que ela não consegue mais aumentar o preço para compensar a sobrevalorização cambial, que é muito maior que todo ganho de produtividade que a empresa consegue ter.
Brasileiros - E qual é a saída para esse impasse?
J.C.G.S. - A empresa começa a abrir mão de alguns pedidos porque ela não pode, vamos dizer, ficar no prejuízo. O prejuízo tem de ser condenado sempre. Então, ela começa a abrir mão de alguns contratos. Cumpre, religiosamente, todos os que ela tinha feito antes, mas começa a abrir mão de alguns contratos novos. É óbvio que o cliente lá fora terá de substituir aquele produto por algum outro fornecedor. Na hora em que o câmbio volta ao normal, tem de começar tudo de novo na busca de compradores. Isso está acontecendo com um número enorme de empresas e a balança comercial vai se deteriorando. Até você reconquistar aquele cliente, até você aumentar a produção de novo, tudo isso demora, os ciclos industriais são longos. Então, esse problema é grave, o Brasil não podia ter deixado isso acontecer.
Brasileiros - E você ainda não falou dos juros, o tema predileto do teu pai ao criticar a política monetária...
J.C.G.S. - Pois é... Tem também outras razões que levaram à sobrevalorização cambial - não foi só por causa da política monetária brasileira e o patamar dos juros brasileiros. Em parte, porém, os juros também são responsáveis pela sobrevalorização cambial. Os juros, veja bem... Muitas pessoas até falam: "Puxa vida, o Alencar é uma pessoa de uma nota só". O que ele tenta fazer é formar opinião sobre o tema. É obvio que ele não acha que apenas os juros são os culpados pelos nossos problemas. Mas esse é um problema tão grande e tão relevante, que ele precisa formar opinião em torno dessa questão e, por isso, ele repete, repete e repete, tentando formar opinião. E, de fato, o Banco Central brasileiro tem sido muito conservador ao longo de todos esses anos.
Brasileiros - Se você comparar com três, quatro anos atrás, os juros hoje estão muito mais baixos no Brasil.
J.C.G.S. - É preciso que se reconheça isso. Mas ainda estão em um patamar mais elevado do que deveriam estar, o mais importante é o seguinte: quanto o Estado gastou sobre a dívida pública em pagamentos de juros. Comparando isso com qualquer outro país do mundo, você vê que é ilógico. Hoje, todos reconhecem que não tem essa necessidade, acho que isso é um consenso já. Finalmente, se construiu um consenso em torno disso. Houve evolução? Houve. Mas foi muito lenta, muito gradual.
Brasileiros - Além dos juros e da dívida pública, o que você não gosta no governo, o que te incomoda, o que poderia mudar?
J.C.G.S. - Eu até compreendo que, uma vez que existam dificuldades para adoção de políticas mais macro, se atenda setores de forma individualizada. De novo, eu acho que a questão da reforma tributária precisava ser de fato retomada no Brasil. Entendo as dificuldades, porque também não depende apenas do Executivo. A adoção de políticas, às vezes, muito específicas para resolver o problema, ao invés de resolver de forma cabal e definitiva, é alguma coisa que vai complicando mais do que descomplicando. E tudo que é complicado não funciona. Vai se criando um sistema tão complexo e com algumas distorções, que fica cada vez mais difícil de reorganizar. Precisamos desatar esse nó da economia.
Brasileiros - E qual área você destacaria como positiva, a principal marca do atual governo?
J.C.G.S. - As políticas sociais são, sem dúvida, o ponto mais forte desse governo. As medidas adotadas nessa área, que permitiram inclusive o fortalecimento do mercado doméstico, foram essenciais para que o Brasil se recuperasse tão rapidamente dessa crise econômica de grandes proporções. Eu acho que é o ponto fortíssimo desse governo, graças à sensibilidade que o presidente Lula tem de levar o governo a implementar políticas sociais realmente importantes, que resultaram na criação de uma nova classe média. Isso foi fantástico.
Brasileiros - Alguns setores empresariais e da mídia queixam-se, porém, de uma crescente intervenção do Estado na economia. O que você pensa disso?
J.C.G.S. - Eu não sou daqueles que acham que o Estado não deve estar presente na economia, que o Estado deve estar completamente afastado da economia. Mas a verdade é que o setor privado é mais ágil. E, portanto, esse avanço do Estado, que veio em momentos emergenciais, quando todo mundo retraiu o investimento, precisa ser visto com cuidado. Vamos dizer a verdade. A Petrobras entrou de novo na Petroquímica. É uma grande empresa de petróleo e é absolutamente legítimo que ela tenha uma presença na Petroquímica. Mas é de novo o Estado participando de um setor, de uma atividade econômica da qual ele já havia se afastado. Isso é bom ou isso é ruim? A Petrobras é uma empresa extremamente bem gerida, mas tem um conjunto de investimentos gigantescos a serem feitos para o desenvolvimento do Pré-Sal. Caberá a ela 30% de qualquer uma das novas áreas a serem licitadas. Então, a Petrobras tem já um volume muito grande de investimentos a ser feito. Houve avanço do Estado também em vários outros setores, a verdade é essa. Os bancos estatais cresceram... Mas também a gente tem de compreender que cresceram num momento em que os bancos privados se retraíram.
Brasileiros - É que houve um momento, no início do ano passado, em que não havia mais crédito na praça e os bancos oficiais foram importantes para irrigar a economia e evitar a recessão.
J.C.G.S. - Mas eu espero que, voltando a economia à normalidade, eles não continuem crescendo na mesma velocidade. São bancos extremamente competentes e bem geridos. Posso dizer que tanto o BNDES quanto o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal hoje têm uma gestão primorosa. Então, cresceram também por mérito. Agora, se continuarem crescendo, isso é bom ou é ruim?
Brasileiros - Você não acha que as conquistas do atual governo na área social estão intimamente ligadas ao crescimento desses bancos ou isso não é verdade?
J.C.G.S. - Os bancos estatais cresceram muito fortemente porque, de fato, durante a crise, os bancos privados se retraíram e cortaram o crédito. Se o Brasil não tivesse bancos estatais sólidos e bem dotados na área de recursos humanos, o governo não poderia ter adotado políticas de maior crédito que permitissem ao Brasil se recuperar na velocidade com que se recuperou. Por outro lado, é aquela história: uma participação maior do Estado no setor financeiro pode trazer consequências em longo prazo, como a perda de eficiência. Isso está acontecendo no mundo todo, não é um fenômeno só do Brasil. O Estado veio resgatar a economia mundial. Eu sou muito de São Tomás de Aquino, a virtude está no meio. Tudo é meio pendular na sociedade ou, talvez, de certa maneira, cíclico. Quando Ronald Reagan assumiu o governo nos Estados Unidos e Margareth Thatcher, na Inglaterra, houve, vamos dizer, uma inflexão para aquilo que se chamou "Estado Mínimo" em que o mercado podia tudo. E aquilo provocou um avanço dramático em direção à completa desregulamentação da economia, com o Estado se afastando de tudo, até mesmo no controle e no ordenamento.
Brasileiros - Que veio dar nessa baita crise que abalou o mundo inteiro no ano passado...
J.C.G.S. - É, deu nesse desastre que está aí. Depois do desastre, agora é natural que tenhamos uma tendência a ir em direção oposta. Não estou dizendo que o estágio em que estamos hoje está errado. O que nós temos de ficar atentos é não deixar que o pêndulo vá novamente para a direção diametralmente oposta do Estado Mínimo. Só não pode acelerar o processo e chegar num ponto e cair de novo. Tem todo o custo em volta do pêndulo. Então, o melhor é que o pêndulo fique ali no meio. É mais um alerta nessa direção.
Brasileiros - Você se sentiu muito cobrado intimamente por ter um pai forte, que se tornou um grande empresário antes de entrar na política e se eleger vice-presidente da República?
J.C.G.S. - Em geral, é a própria pessoa que se cobra. Você sabe por que eu não me cobro tanto? Porque não tem como comparar. São situações absolutamente diferentes, são pessoas diferentes, por mais parecidos que sejamos... Até a voz dizem que é muito parecida, fisicamente talvez tenhamos alguns traços em comum, falam que o nosso andar é mais ou menos igual, mas são histórias de vidas diferentes. Papai é uma pessoa que saiu de casa aos 14 anos para trabalhar, levando a malinha. Dormiu num corredor de pensão durante quase dois anos...
Brasileiros - Quer dizer, ele teve uma origem bem pobre e você já nasceu filho de rico...
J.C.G.S. - É, pois é, eu nasci em uma outra circunstância, eu pude estudar, pude completar meus estudos nas melhores universidades, estudei fora do País.
Brasileiros - Mas você teve uma orientação familiar que te fez valorizar muito o que tinha.
J.C.G.S. - Ah, é claro, é claro. Tenho um nome que vem sendo construído por gerações que me antecederam e pelo qual tenho de zelar. E eu não posso fazer nada de errado que comprometa esse nome, porque eu recebi isso e esse é o maior valor que eu herdei das gerações passadas. É o nosso nome. Preciso fazer com que meus filhos, meus netos e meus descendentes se orgulhem tanto desse nome como eu me orgulho. Mas eu não tenho nem como comparar a minha história na empresa, qualquer que seja ela, com a dele. Para quem saiu do nada, construir o que ele construiu... Mas eu também peguei a empresa em um determinado estágio e estou conseguindo construir a minha parte. Agora, se me falarem assim: "Digamos que um dia você caminhe para a política". Como é que vou comparar a carreira política dele com a minha, se eventualmente eu vier a atuar na política?
Brasileiros - Você já pensou nisso?
J.C.G.S. - Atuar na política? Eu brinco que só de cinco em cinco gerações da família é que a gente pode participar da política... Então, estou afastado por, pelo menos, quatro gerações. Por isso, não me cobro tanto, tenho de fazer o meu papel e só não posso entregar aos meus descendentes um nome menos honrado do que recebi dos meus antepassados. E é só não fazer coisa errada. Se eu não fizer coisa errada, já está bom...
Fonte:revistabrasileiros.com.br
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