Toda semana de moda é a mesma coisa: discute-se a falta de identidade da moda brasileira e sua inferioridade. Detalhes, peças e até desfiles inteiros são comparados aos desfiles internacionais.
Revistas, portais, sites e blogs de moda abordam o assunto até a exaustão. Eu mesma já apontei as referências à moda europeia no meu resumo do Fashion Rio e do que esperar no SPFW.
Depois de tanto ver e ler que tal marca copiou Balenciaga e que a outra simplesmente reproduziu o desfile da Balmain inteira, comecei a refletir mais sobre o assunto.
Entendo que essa discussão é necessária e ocorre porque, em tese, a função das semanas de moda é de reunir criadores que proponham coisas novas ao público - mesmo que a 'roda não possa ser reinventada' e que a 'novidade' esteja na reinterpretação de um detalhe por vários pontos de vista diferentes, como o exemplo da Carolina Herrera que usei no meu último texto (sobre como se desenvolvem as tendências).
Alguns, inclusive, acreditam que a moda existe para isso: para que determinadas vontades sejam despertadas e que determinados itens se tornem uma necessidade comum a ser encontrada em todos os lugares, até que cansem e outras vertentes apareçam para alimentar este ciclo.
Culpamos os criadores nacionais por copiarem os europeus, mas o fazemos sem olhar o quadro todo.
Plágio a parte, todos copiam e até se apropriam de idéias que não são suas de alguma forma. Foi o caso do Keffyeh em 2007, que de símbolo da luta pela libertação de um povo, foi reinterpretado como uma manifestação pela paz ao ser adotado por alguns grupos nas ruas e depois transformado em um item de estilo vazio, pela Balenciaga - e consequentemente por todas as outras marcas, lojas e camelôs que os comercializaram.
Minha coluna sobre a evolução das tendências, aliás, foi concluída propositalmente com a informação de que Tokio está mudando a forma como elas se difundem. A análise comum é que as marcas nacionais tiveram como referência as passarelas européias, mas não se considera que essas marcas, por sua vez, podem se inspirar em jovens modernos que residem em cidades como Tokio, que não têm esse reconhecimento, pois ainda não possuem a cultura e o histórico de moda que Paris possui.
Ao meu ver, até o ponto onde a moda diz respeito, o problema não reside na cópia em si, ou na descaracterização de um item (até porque, o intuito principal de qualquer empresa é vender e lucrar com as vendas), mas sim na perda de identidade de uma marca, como foi o caso da Espaço Fashion, que apresentou um desfile completamente alinhado com a febre Balmain-Balenciaga, mas que nada tinha a ver com seu público.
A partir do momento que uma marca se foca mais em uma reprodução específica do que no que o seu público quer, a coisa desanda.
Eu acredito que hoje a moda é, fundamentalmente, comércio. Mas que continua servindo para identificar necessidades e vontades globais, propondo opções que serão adaptadas de acordo com o que cada indivíduo percebe ser mais adequado ao seu estilo pessoal. Considerando que a forma que o consumidor encontra para se reconhecer no meio de tantas opções e encontrar o que deseja com mais facilidade, é através de uma marca, se essa imagem é desvirtuada, seu consumidor deixa de se reconhecer nela e procura outros lugares.
A não ser que a empresa esteja procurando se reposicionar, em uma temporada poderá ganhar clientes que não participavam do seu público-alvo, e lucrar com isso, mas a partir do momento que essa 'onda' passar e levar muitos desses compradores, o prejuízo será maior porque já terá perdido consumidores fiéis que, inclusive, ajudaram a levar a marca ao patamar onde se encontrava. Vide Tommy Hifliger que perdeu sua identidade e lugar no mercado tentando agradar clientes passageiros nos anos 90.
E se o ponto é a identidade, noto que é muito mais uma questão de marketing do que de moda. Ainda mais se considerarmos que independente de onde copiam ou se inspiram, as 'tendências' são as mesmas para todos. E continuarão sendo, já que uma surge em resposta à anterior: as largas e confortáveis calças cenoura, saruel e variações surgiram em resposta às justas skinnies; as leves e delicadas plumas que estão começando a aparecer são respostas às duras tachas que vemos em todos os lugares; as formas arredondadas e a ênfase nos quadris vão se opor aos ombros pontudos e importantes...
Algumas marcas internacionais são mais conceituadas porque possuem um posicionamento claro, uma identidade definida, uma compreensão muito maior e mais precisa da realidade onde seu consumidor está inserido e de como ajustar os ícones em voga para dentro disso - o que eu identifico como uma lacuna das marcas nacionais. Nas semanas onde são expostas, os desfiles existem não apenas para propor suas visões aos clientes, mas para reforçar e complementar a imagem que passaram anos construindo.
É natural que exista um abismo entre o Brasil e a Europa, já que estamos comparando um mercado relativamente novo com um mercado pioneiro. E é saudável a discussão que contribui e agiliza o alcance desse patamar. Mas será que tudo não ficará mais claro quando pararmos de discutir como moda e começarmos a discutir como marketing, então?
Érica Minchin trabalha com pesquisa, criação e desenvolvimento de produtos em moda e ministra cursos e palestras sobre imagem e tendências. Ela ensina que aparência é a ferramenta de comunicação não-verbal mais poderosa e estimula explorar as melhores maneiras de fazer uso dela. Contato: contato@ericaminchin.com
Fonte:vilamulher.terra.com.br
Revistas, portais, sites e blogs de moda abordam o assunto até a exaustão. Eu mesma já apontei as referências à moda europeia no meu resumo do Fashion Rio e do que esperar no SPFW.
Depois de tanto ver e ler que tal marca copiou Balenciaga e que a outra simplesmente reproduziu o desfile da Balmain inteira, comecei a refletir mais sobre o assunto.
Entendo que essa discussão é necessária e ocorre porque, em tese, a função das semanas de moda é de reunir criadores que proponham coisas novas ao público - mesmo que a 'roda não possa ser reinventada' e que a 'novidade' esteja na reinterpretação de um detalhe por vários pontos de vista diferentes, como o exemplo da Carolina Herrera que usei no meu último texto (sobre como se desenvolvem as tendências).
Alguns, inclusive, acreditam que a moda existe para isso: para que determinadas vontades sejam despertadas e que determinados itens se tornem uma necessidade comum a ser encontrada em todos os lugares, até que cansem e outras vertentes apareçam para alimentar este ciclo.
Culpamos os criadores nacionais por copiarem os europeus, mas o fazemos sem olhar o quadro todo.
Plágio a parte, todos copiam e até se apropriam de idéias que não são suas de alguma forma. Foi o caso do Keffyeh em 2007, que de símbolo da luta pela libertação de um povo, foi reinterpretado como uma manifestação pela paz ao ser adotado por alguns grupos nas ruas e depois transformado em um item de estilo vazio, pela Balenciaga - e consequentemente por todas as outras marcas, lojas e camelôs que os comercializaram.
Minha coluna sobre a evolução das tendências, aliás, foi concluída propositalmente com a informação de que Tokio está mudando a forma como elas se difundem. A análise comum é que as marcas nacionais tiveram como referência as passarelas européias, mas não se considera que essas marcas, por sua vez, podem se inspirar em jovens modernos que residem em cidades como Tokio, que não têm esse reconhecimento, pois ainda não possuem a cultura e o histórico de moda que Paris possui.
Ao meu ver, até o ponto onde a moda diz respeito, o problema não reside na cópia em si, ou na descaracterização de um item (até porque, o intuito principal de qualquer empresa é vender e lucrar com as vendas), mas sim na perda de identidade de uma marca, como foi o caso da Espaço Fashion, que apresentou um desfile completamente alinhado com a febre Balmain-Balenciaga, mas que nada tinha a ver com seu público.
A partir do momento que uma marca se foca mais em uma reprodução específica do que no que o seu público quer, a coisa desanda.
Eu acredito que hoje a moda é, fundamentalmente, comércio. Mas que continua servindo para identificar necessidades e vontades globais, propondo opções que serão adaptadas de acordo com o que cada indivíduo percebe ser mais adequado ao seu estilo pessoal. Considerando que a forma que o consumidor encontra para se reconhecer no meio de tantas opções e encontrar o que deseja com mais facilidade, é através de uma marca, se essa imagem é desvirtuada, seu consumidor deixa de se reconhecer nela e procura outros lugares.
A não ser que a empresa esteja procurando se reposicionar, em uma temporada poderá ganhar clientes que não participavam do seu público-alvo, e lucrar com isso, mas a partir do momento que essa 'onda' passar e levar muitos desses compradores, o prejuízo será maior porque já terá perdido consumidores fiéis que, inclusive, ajudaram a levar a marca ao patamar onde se encontrava. Vide Tommy Hifliger que perdeu sua identidade e lugar no mercado tentando agradar clientes passageiros nos anos 90.
E se o ponto é a identidade, noto que é muito mais uma questão de marketing do que de moda. Ainda mais se considerarmos que independente de onde copiam ou se inspiram, as 'tendências' são as mesmas para todos. E continuarão sendo, já que uma surge em resposta à anterior: as largas e confortáveis calças cenoura, saruel e variações surgiram em resposta às justas skinnies; as leves e delicadas plumas que estão começando a aparecer são respostas às duras tachas que vemos em todos os lugares; as formas arredondadas e a ênfase nos quadris vão se opor aos ombros pontudos e importantes...
Algumas marcas internacionais são mais conceituadas porque possuem um posicionamento claro, uma identidade definida, uma compreensão muito maior e mais precisa da realidade onde seu consumidor está inserido e de como ajustar os ícones em voga para dentro disso - o que eu identifico como uma lacuna das marcas nacionais. Nas semanas onde são expostas, os desfiles existem não apenas para propor suas visões aos clientes, mas para reforçar e complementar a imagem que passaram anos construindo.
É natural que exista um abismo entre o Brasil e a Europa, já que estamos comparando um mercado relativamente novo com um mercado pioneiro. E é saudável a discussão que contribui e agiliza o alcance desse patamar. Mas será que tudo não ficará mais claro quando pararmos de discutir como moda e começarmos a discutir como marketing, então?
Érica Minchin trabalha com pesquisa, criação e desenvolvimento de produtos em moda e ministra cursos e palestras sobre imagem e tendências. Ela ensina que aparência é a ferramenta de comunicação não-verbal mais poderosa e estimula explorar as melhores maneiras de fazer uso dela. Contato: contato@ericaminchin.com
Fonte:vilamulher.terra.com.br
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