O nome lembra espontaneamente uma trama de solução complicada, um caminho difícil ou de difícil saída, sinuoso, intrincado. Mas, labirinto é a denominação dada, no Ceará e, creio, em alguns outros lugares do Brasil, a um tipo de bordado que se faz desfiando o tecido, unindo fios e preenchendo espaços com cerzimentos em linha mercerizada, de calibre distinto da linha do urdimento ou da trama para formar desenhos decorativos. Valdelice Carneiro Girão diz que o labirinto é um “trabalho que merece o nome pelo emaranhado dos pontos, é o bordado de fio cortado, distendido numa armação de madeira, quadrada ou quadrilateral, chamada grade; é a seguir cheio, isto é, recoberto de bordados feitos à agulha” (SERAINE, 1983).
O labirinto seria então uma renda de agulha onde se emprega os pontos de corte, de fios tirados, milindro, cruz, relevo e cerzimentos. Mas também deve-se notar que alguns autores fazem reservas a qualificação das rendas de corte e de fios tirados como rendas posto que “toda a decoração executada num fundo preexistente (tecido) é um bordado, e o que distingue principalmente a renda, é ser aberta e não composta duma trama e barbim ou teia, mas de pontos semelhantes e diferentes, obtidos por uma disposição especial dada aos fios no trabalho, de modo a produzir um desenho que se faz com o próprio fundo, sobre o qual se destaca e do qual é inseparável” ( MAGALHÃES, sd).
O LABIRINTO NO BRASIL E NO CEARÁ
“A introdução do labirinto ou crivo no Brasil foi feita pelo povoador português. Mulheres portuguesas, tanto insulares como peninsulares, já conheciam tal lavor de agulha e linha” (RIOS, 1963), cita Oswald Barroso no seu ensaio “O labirinto em Canoa Quebrada (1977). Indiscutivelmente foram as portuguesas de trouxeram o labirinto para o Brasil, mas ainda não se sabe como se deu a difusão e a popularização dessa arte no estado.
Renda ou bordado o labirinto tem como principais áreas de incidência no Brasil, segundo a publicação da Funarte Artesanato Brasileiro: Rendas, as circunvizinhanças das cidades de Arez e Tourinho, no Rio Grande do Norte; Juarez Távora, Serra Redonda e Caldas Brandão, na Paraíba; Marechal Deodoro, em Alagoas; e as localidades de Três Riachos e São Miguel no município de Biguaçu e Celso Ramos, em Santa Catarina. Embora o livro não cite, o labirinto também pode ser encontrado em povoados do Piauí e Maranhão. No Ceará, o labirinto se manifesta em toda a orla marítima, principalmente em Beberibe, Aracati, Fortim, Icapuí e Aquiraz. Mas, em algumas localidades ribeirinhas do Jaguaribe também são encontradas labirinteiras.
Sobre o lugar e quando o labirinto chegou ao Ceará também não existe dado preciso. Oswald Barroso diz que, no Aracati, “chegou através de seu porto, nos navios que ali comerciavam, no início do século XVIII”. Pode-se fazer algumas outras suposições.
No tempo do início da colonização cearense, cem anos depois da chegada dos europeus, embora aqui e acolá já houvesse no país quem manipulasse com perfeição um tear e mesmo plantasse algodão para fazer o seu ofício, ainda poucos eram os brasileiros que se vestiam com tecidos. Apenas se fazia tecidos bastante grosseiros para cobrir os corpos de índios missionados e africanos escravos em momentos mais solenes como festas ou rituais religiosos. Mesmo no trabalho era pouca a roupa que se usava e até os padres tinham dificuldades de obter tecidos para as suas vestimentas. Num ambiente assim, de complicada obtenção de tecidos, fica difícil se imaginar o desenvolvimento de atividades ligadas aos bordados ou as rendas.
Pode-se imaginar também que, algum tempo depois, em meados do século XVII, no período do domínio holandês no Nordeste, alguns nobres ou funcionários da corte de Maurício de Nassau fizessem uso de rendas em seus vestuários o que era grande moda na Europa, principalmente sabendo-se que os países baixos eram na época, como ainda hoje, importantes produtores desses trabalhos. Também não seria de estranhar se donos de engenhos que, segundo Gilberto Freire, viviam vida extremamente luxuosa fizessem uso de rendas orientais ou européias.
No século XVIII, açorianos trazidos para o Brasil acrescentaram à fiação e tecelagem do algodão e outras fibras, a do linho e da lã. É nesse tempo que surge o tecido de padronagem axadrezada ou riscada de cores contrastantes, ainda assim eram tecidos grosseiros.
Muito provavelmente, apenas em meados do século XIX é que são difundidas, no Ceará, as rendas de corte. Levantamos essa hipótese em virtude da importação de mão de obra mais especializada, principalmente oficiais e artesãos, que foi promovida pelo presidente José Martiniano de Alencar, durante o seu governo, resultando na vinda ao Ceará de 120 emigrantes açorianos, região onde os bordados em ponto de crivo ou labirinto são bastante difundidos e de elevada qualidade. Acreditamos que a partir daí essa arte propagou-se de modo caseiro sem um processo de ensino determinado, isto é, seguindo o simples princípio da imitação. Também muito provavelmente, os usos iniciais desta arte se deu na decoração de roupas brancas e tecidos de uso doméstico como toalhas de mesa e colchas de cama das famílias mais abastadas, assim como nos paramentos e outros adereços religiosos.
No Ensaio Estatístico da Província do Ceará, de 1863, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil diz que os tecidos grosseiros e redes de dormir “fazem-se em teares movidos a braço das tecedeiras”, que as “obras de agulha, costuras e labyrinthos são todas a mão” e que “as mulheres costureiras, tecedeiras, fiandeiras, etc. elevar-se a 40.000 o seu número”. Note-se que nessa época havia no estado onze lojas de roupas e calçados feitos, sendo seis brasileiras e cinco estrangeiras; e que todos os tecidos vinha do exterior, principalmente da Inglaterra. Nos anos de 1855, 1856, 1857 aparecem nas estatísticas de exportação para o pais o item “rendas”.
No catálogo dos produtos do Ceará remetidos a Exposição Preparatória do Rio de Janeiro da Exposição de Chicago de 1892, onde foram expostos palas, lenços, fronhas, casaco, frente de saias, e toalhas de labirinto, pode-se ler que em se tratando de Crivo, bordado, costura, etc., “pouco o Ceará tem que invejar”. E comenta: “Não são conhecidos os pontos de Bruxellas, Malinas, Alençon, etc., da indústria européia, mas o cearense rivaliza com estes”. Chama a atenção a informação que “os produtos desta indústria não são cotados pelo seu justo valor; ao trabalho de um mês de aturada aplicação, paga-se como se fosse de um ou dois dias”, revelação que diz do secular pouco desprestígio que se dá ao trabalho de nossas artesãs.
Fonte:olharaprendiz.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário